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Perder não é fácil, difícil é admitir.

De outro, o risco de perder ainda mais. Quando é o momento de desapegar de algo que não deu certo? A resposta é difícil e o ideal é desenhar uma estratégia prevendo, inclusive, a possibilidade de sair de uma aplicação ou investimento. É a tal da

Comprou uma ação que trouxe prejuízo e deixou na carteira, esperando subir? Empreendeu e não deu certo, mas espera aquela virada? De um lado, a esperança que o que trouxe prejuízo volte a rentabilizar. De outro, o risco de perder ainda mais. Quando é o momento de desapegar de algo que não deu certo? A resposta é difícil e o ideal é desenhar uma estratégia prevendo, inclusive, a possibilidade de sair de uma aplicação ou investimento. É a tal da realização da perda, atitude racional, mas difícil na prática.

No mercado de ações, por exemplo, pode ser mais fácil para o investidor tomar a decisão de vender um papel quando ele traz ganhos. É a realização do lucro. Mas nem sempre ocorre o mesmo na hora de realizar uma perda financeira porque é um ato que, às vezes deixa de ser racional, e fica contaminado pela emoção. Quem se mantém posicionado naquilo que não deu certo pode estar sofrendo com o efeito disposição, que é na prática a relutância em realizar perdas.

O comportamento é muito comum entre gestores de fundos, na hora de fazer o rebalanceamento do portfólio de ações. "É a tendência de segurar ações perdedoras na carteira", explica Newton da Costa, professor doutor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Durante o Encontro Brasileiro de Economia e Finanças Comportamentais, realizado na semana passada pelo Núcleo de Finanças Comportamentais da Fundação Getúlio Vargas (NFC-FGV), o professor apresentou um experimento realizado com 174 alunos em graduação na UFSC. O objetivo foi medir as situações nas quais o efeito disposição era maior ou menor na hora de comprar e vender ações. A pesquisa foi realizada em conjunto com Wlademir Prates e Anderson Dorow, ambos doutorandos em Administração da UFSC.

Três cabeças pensam melhor do que uma

O experimento foi realizado em seis sessões, nas quais os alunos foram divididos em grupos. Assim, 30 deles tomaram as decisões de forma individual, outros 30 em pares e 28 em trios. Outros 30 foram representados por simulações aleatórias no computador. O estudo mediu os ganhos realizados e as perdas realizadas pelos diferentes grupos e constatou que a taxa de retorno da negociação de ações feitas pelos trios de estudantes foi de 42%, maior do que o atingido por estudantes que tomaram as decisões individualmente, que foi de 28,9%. O retorno alcançado por pares de alunos, de 24,6%, também não foi maior.

Mais cabeças pensam melhor do que uma? Talvez. "O que o estudo mostrou é que os trios sofriam menos com o efeito disposição e, em situações de baixo risco, arriscaram mais, com propensão a vender rapidamente", disse Costa. Quem agiu sozinho teve maior aversão ao risco de perda e, com isso, teve retorno financeiro menor.

Aversão à perda e não ao risco

Dói muito mais perder do que ganhar, mesmo que o valor seja pequeno. A psicóloga econômica Vera Rita de Mello Ferreira, que faz parte do Núcleo de Estudos Comportamentais da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), diz que a aversão é maior à perda do que ao risco propriamente dito. É um efeito que faz, muitas vezes, um investidor ou gestor que está perdendo com um determinado papel aceitar correr mais riscos para reaver o prejuízo, mantendo-o na carteira.

"O que está em jogo é que a pessoa se arrisca sem se dar conta disso. Em situações de ganhos, elas evitam o risco e vendem logo, mas quando perdem não se conformam, se arriscam e podem perder ainda mais", diz. Por isso, ela aconselha: todo cuidado é pouco quando se começa a perder dinheiro com alguma aplicação ou ativo.

Concentração e conversa

Evitar esse viés de comportamento não é tarefa fácil, principalmente porque ele é guiado pelas emoções. "Nossa racionalidade é limitada. E para tomar decisões complexas precisamos de concentração. Por isso, é bom guardar energia para momentos importantes, porque não temos autocontrole para tudo. O desafio é fazer isso no mercado financeiro, no qual as decisões tem de ser tomadas rapidamente", explica.

O primeiro passo para controlar o efeito disposição é perceber que ele existe. Nesse momento, vale olhar para trás e ver se já passou por essa situação. Entre gestores de carteira, a prática de reunir trios ou um grupo de profissionais para evitar o efeito disposição pode ser aplicável (veja quadro).

Para o investidor individual, deixar de tomar a decisão sozinho também pode ser uma alternativa. No entanto, é preciso escolher uma pessoa confiança, que entende do assunto e tenha isenção.

Vera Rita diz que, neste caso, a pessoa física pode conversar com um especialista ou um assessor financeiro para ajudá-la. "É bom ouvir uma opinião sobre o momento de segurar ou sair. O problema é que o aplicador também costuma descumprir acordos. Muitas vezes, montou uma carteira de longo prazo e quer sair no meio de algum solavanco. É preciso ter objetivos claros e seguí-los, sem ser influenciado pela emoção", afirma.

Cassio Beldi, sócio-gestor da Mint Capital, reconhece que conversar com alguém antes de tomar uma decisão financeira pode ser importante. Afinal, quem está sozinho erra mais facilmente porque não recebeu o alerta de alguém. Mas até para fazer isso é necessário ter cautela para não ser influenciado. "É preciso buscar informações e separar o que é relevante. E falar com uma pessoa que seja independente e diligente, sabendo qual é o viés dela. Uma coisa é ouvir uma opinião e outra é cair no viés do discurso de consenso (quando a pessoa quer agir em conformidade com um grupo). Isso pode ser nocivo", afirma. Ele diz que nem todo mundo reluta para aceitar a perda. Na maioria dos casos, a pessoa física faz o inverso: vende quando o preço cai e compra quando sobe. E cai em outrar armadilha: o efeito manada.

Em grupo, gestores têm decisão blindada

Tomar decisões em um grupo de cinco pessoas, duas com poder de veto, e seguindo um processo com regras claras. É essa a estratégia que os sócios da Mint Capital adotam para blindar suas decisões das armadilhas do comportamento na gestão de seu fundo de ações. "O processo é maior do que as opiniões individuais e ele ajuda a eliminar as falhas de comportamento.

Temos métricas para as empresas que vamos comprar e vender. O bom do grupo é que um dos gestores apresenta uma tese aos demais, que tentam quebrá-la. É uma forma de ver se alguém deixou de pegar alguma coisa. A parte quantitativa já elimina o efeito disposição (a relutância em aceitar a perda)", conta Rafael Campos, sócio-gestor da Mint Capital.

A gestora utiliza uma série de técnicas para fugir das armadilhas comportamentais há cinco anos. Cassio Beldi, sócio gestor da Mint, diz que adota um processo exclusório, seletivo, disciplinado e fechado em poucas pessoas. "Buscamos razões claras e não achômetros. Temos datas pontuais para rebalancear o portfólio. Vendemos as ações com prejuízo no último ano fechado. Os papéis de empresas com alavancagem financeira excessiva são retirados do portfólio. Em datas fixas, compramos o que está barato e vendemos o que está caro. É um processo", conclui.


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