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Indenizações às elétricas devem ser tributadas

Fontes do governo classificam a cobrança como "inevitável" e preveem que a discussão será levada à Justiça.

Marca da gestão Dilma Rousseff, a redução da conta de luz promete gerar uma disputa judicial entre a Receita Federal e as empresas do setor elétrico que aderiram à renovação antecipada das concessões. A Receita Federal sinalizou que vai exigir Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre as indenizações, pagas desde janeiro. Até junho, o governo havia repassado R$ 10,4 bilhões por meio da Eletrobras.

Fontes do governo classificam a cobrança como "inevitável" e preveem que a discussão será levada à Justiça. Procurados pelas concessionárias, advogados têm sido unânimes contra a tributação. "Acho muito difícil que a discussão não vire litígio", diz o tributarista Igor Mauler Santiago, do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados.

Para a advogada especialista em regulação no setor de energia, Maria João Rolim, os critérios do governo para definir as indenizações já são questionáveis. "Se a pretensão de tributar se confirmar, o prejuízo seria ainda maior, o que certamente geraria uma reação por parte das empresas", afirma a sócia do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados.

Anunciados em setembro pela presidente Dilma, os descontos de 18% na conta de luz para as residências e de 32% para as indústrias só foram possíveis com a adesão das empresas à renovação antecipada das concessões. Os contratos venceriam entre 2015 e 2017. Em contrapartida à renovação, o governo se comprometeu a pagar uma indenização pelos ativos e investimentos ainda não depreciados e amortizados pelas companhias.

Segundo advogados, a tributação também poderá afetar a indenização das empresas que não aderiram ao plano e perderão o direito de concessão antes da renovação do contrato por mais 20 anos, a que tinham direito pela regra antiga. É o caso da Companhia Energética de São Paulo (Cesp).

Para a Receita Federal, a indenização é receita não operacional das concessionárias de energia. Logo, geraria ganho de capital tributado pelo IR e CSLL com alíquota de 34%. "A nosso ver não se trata materialmente de uma indenização, mas sim de alienação de ativo sujeita à tributação", diz, em nota enviada ao Valor, José Carlos Sabino Alves, chefe da Superintendência da 7ª Região Fiscal da Receita (RJ e ES).

A pedido de empresas, o Fisco explicitou a orientação por meio de duas soluções de consulta. A primeira foi publicada pela 7ª Região Fiscal, em 30 de abril. Em 25 de julho, a 4ª Região Fiscal (AL, PB, PE e RN) editou orientação no mesmo sentido. Em Brasília, o entendimento no Ministério da Fazenda é de que não haveria previsão legal para isentar as indenizações. Segundo as soluções, a tributação de 34% seria sobre a diferença entre a indenização paga e o valor contábil do bem.

O Ministério de Minas e Energia, porém, estaria "simpático" à causa das concessionárias, segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira das Grandes Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), César de Barros Pinto. "A Fazenda, entretanto, está jogando do lado do Tesouro Nacional", afirma. Nenhuma empresa de transmissão recebeu indenização, por enquanto. Também não há, segundo Pinto, estratégia uniforme das associadas contra a cobrança. "A medida a ser adotada dependerá do valor da indenização e do impacto da tributação para cada uma."

Os escritórios de advocacia já traçaram teses para derrubar a cobrança. Alguns tributaristas defendem que as indenizações são, de fato, destinadas à recomposição do patrimônio das concessionárias. "Os ativos nunca foram das empresas. São da União e concedidos por um período para que as elétricas prestem um serviço", diz Livia De Carli Germano, do escritório Lobo & de Rizzo Advogados.

Outros tributaristas defendem que a entrega dos ativos à União tem natureza de desapropriação. Dessa forma, as indenizações pagas por investimentos não amortizados não se sujeitariam à tributação pelo IR e CSLL. "O Superior Tribunal de Justiça é contra a tributação exatamente por entender se tratar de mera reposição do patrimônio desapropriado", afirma o Frederico Fonseca, do Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados. "Com outra interpretação, a Receita estaria descumprindo o conceito dessa indenização", completa Maurício Faro, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados.

O chefe da Superintendência da Receita no Rio de Janeiro, José Carlos Sabino Alves, discorda. "Apesar de formalmente chamada de reversão indenizada e impropriamente denominada indenização, nem a lei nem o contrato a menciona como decorrente de desapropriação", diz em nota.

Com uma possível cobrança, as empresas teriam, segundo advogados, três alternativas: recolher os tributos, esperar a autuação do Fisco para depois questioná-la administrativamente ou entrar com mandado de segurança preventivo contra a exigência.

Por ora, as elétricas estão livres apenas do pagamento de PIS e Cofins sobre as indenizações. A Receita entende que as contribuições sociais podem ser exigidas. Mas o governo reduziu as alíquotas a zero, por meio da Medida Provisória nº 612, que alterou a Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013, que permitiu os descontos nas contas de luz.

 

Secretário diz que Cesp não vai aceitar cobrança

Daniel Rittner

A estatal paulista Cesp, que rejeitou a proposta do Ministério de Minas e Energia para renovar suas concessões de usinas hidrelétricas, pretende questionar nos tribunais qualquer tentativa da Receita Federal de cobrar tributos sobre as indenizações que vão ser pagas pela União. "A Cesp tem que defender os interesses de seus acionistas", diz o secretário estadual de Energia de São Paulo, José Aníbal, lembrando que a empresa tem uma parcela de suas ações nas mãos de investidores privados. "Não dá para aceitar essa gestão confusa e autocrata do governo federal no setor elétrico", acrescenta Aníbal.

De acordo com o secretário, a estatal decidiu não ir à Justiça contra o fim da concessão da usina de Três Irmãos. O contrato original da hidrelétrica venceu em 2011 e ela tinha a expectativa, pela lei anterior, de prorrogá-lo por mais 20 anos. A nova legislação mudou esses termos e ela só obteria um novo período de concessão caso diminuísse substancialmente o valor de sua tarifa.

Aníbal deixa claro, no entanto, que a Cesp não abre mão de contestar o valor da indenização pelos investimentos não amortizados. Nos cálculos da empresa, o valor é de R$ 3,5 bilhões. A União diz que a estatal só tem R$ 1,7 bilhão a receber. Esse cálculo, em si, já tende a parar na Justiça, segundo o secretário. Questionado sobre a intenção da Receita Federal em tributar o valor proposto pelo governo, com Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido, ele se indigna: "Nós vamos questionar isso".

Além de rejeitar a cobrança do Fisco, Aníbal sugere à Eletrobras fazer o mesmo. "Chega de ser capacho", afirma o secretário paulista, lembrando que a empresa - controlada pela União - contrariou acionistas minoritários ao aceitar a proposta de renovação das concessões. Para ele, a tributação sobre o valor das indenizações é "mais um exemplo de que o governo [federal] dá com uma mão e tira com a outra".

A Cesp alega que a construção de uma eclusa na usina e de um canal no município de Pereira Barreto, além da compra de uma fazenda nas imediações da hidrelétrica para a preservação da mata nativa, precisam ser levadas em conta nas indenizações.

Procurada pelo Valor, a Eletrobras informou que não recebeu nenhuma cobrança da Receita até agora, portanto não ia se pronunciar. Segundo fonte da empresa, além dos R$ 14,4 bilhões de indenizações já definidas, espera-se um acréscimo de R$ 8,3 bilhões pelos ativos anteriores a 2000 na área de transmissão.


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