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STF julgará ações rescisórias da "tese do século" e contribuintes enfrentam mais um capítulo da insegurança jurídica tributária

O Supremo Tribunal Federal (STF) pautou para a tarde desta quarta-feira, dia 23, um julgamento decisivo que poderá aprofundar a já insustentável insegurança jurídica enfrentada pelos contribuintes no Brasil. Estarão em análise três ações (ADPF 615, AR 2876 e RE 586068) que discutem a validade e o prazo das ações rescisórias ajuizadas pela União contra empresas que obtiveram, com trânsito em julgado, o direito à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins — a chamada "tese do século".

- A expectativa do setor produtivo, que há anos busca previsibilidade nas relações tributárias, se converte agora em apreensão. Isso porque o julgamento pode consolidar mais um precedente em que o STF, sob o argumento de adaptar decisões passadas a uma nova orientação jurisprudencial, admite que a União desfaça decisões definitivas proferidas em favor dos contribuintes — mesmo aquelas transitadas em julgado antes da modulação dos efeitos do julgado, diz o advogado tributarista, Raul Iberê Malagó, sócio fundador do MA & Law.

O pano de fundo é a modulação de efeitos promovida pelo próprio STF em maio de 2021, no RE 574.706, quando se fixou como marco temporal o dia 15 de março de 2017. Empresas que ajuizaram ações até essa data conservaram o direito à recuperação integral dos valores recolhidos a maior. Já as que ingressaram com ações após essa data — mas antes da modulação — foram surpreendidas com a limitação da restituição e, em muitos casos, agora enfrentam ações rescisórias ajuizadas pela União para reverter decisões já definitivas.

- A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já moveu mais de 1.100 ações com esse objetivo. Sua base de sustentação está no art. 535, §8º, do Código de Processo Civil, segundo o qual o prazo para ação rescisória, nos casos de decisões do STF, começa a correr do trânsito em julgado da própria decisão do Supremo. Essa interpretação, endossada até agora por parte da jurisprudência, na prática eterniza o risco de revisão de decisões que deveriam estar protegidas pela coisa julgada, diz Raul Iberê Malagó

O julgamento previsto para os próximos dias pode alterar esse cenário. Os ministros discutirão se essa regra é constitucional — e, portanto, se é válida a contagem do prazo rescisório da União com base no trânsito em julgado de uma decisão do STF, mesmo após decisões definitivas já formadas em favor dos contribuintes. Caso o Supremo reconheça a inconstitucionalidade da norma, abre-se uma janela para que empresas afetadas por essas rescisórias possam reverter os prejuízos sofridos. No entanto, já se discute a possibilidade de nova modulação, o que manteria os efeitos para os processos já ajuizados pela União, perpetuando a instabilidade.

- O mais grave, no entanto, transcende os aspectos processuais. O que se observa é uma crescente e preocupante tendência do STF de flexibilizar a coisa julgada e reescrever as consequências de decisões passadas em nome de uma suposta "justiça fiscal". A modulação de efeitos, que deveria ser excepcional, tem se transformado em instrumento recorrente de ajuste retroativo de jurisprudência, sempre em favor do Fisco e em desfavor do contribuinte,, destaca o advogado.

A Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT) tem se posicionado de forma firme e reiterada contra o uso indiscriminado das ações rescisórias pela União como estratégia para reverter decisões judiciais já transitadas em julgado, sobretudo no contexto da "tese do século". Em diversas manifestações públicas e técnicas, a entidade alerta que tais medidas representam grave violação à segurança jurídica e afrontam o princípio da coisa julgada, colocando em xeque a previsibilidade do sistema tributário nacional. Para a ABAT, a tentativa da Fazenda Nacional de reabrir litígios encerrados, com base em interpretações posteriores do STF, subverte a lógica do Estado de Direito e introduz uma instabilidade perigosa nas relações entre Fisco e contribuinte. A entidade também critica o ativismo judicial observado em julgamentos recentes, nos quais, sob o pretexto de ajuste fiscal, decisões têm sido moldadas para favorecer os interesses arrecadatórios do Estado em detrimento das garantias processuais dos jurisdicionados.

- Essa prática gera um cenário de completa insegurança jurídica, desestimula investimentos, compromete a confiança nas instituições e afronta princípios constitucionais caros ao Estado de Direito, como a segurança jurídica, a proteção da confiança legítima e a isonomia. A sensação generalizada no meio empresarial é a de que o Supremo tem julgado cada vez mais sob influência do impacto político e fiscal de suas decisões, em detrimento da coerência e da estabilidade jurídica.

Para Raul Iberê Malagó, neste novo julgamento, o STF terá a oportunidade de restaurar parte da credibilidade abalada por anos de decisões contraditórias e inesperadas. Reafirmar os limites da ação rescisória, resguardar a coisa julgada e garantir a previsibilidade das decisões são passos urgentes e necessários para resgatar a confiança do setor privado e do cidadão contribuinte.


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