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Desoneração da folha não impede alta de importação

Apesar da política de estímulo à competitividade da indústria nacional, a compra externa de mercadorias produzidas pelos setores beneficiados ganhou mais peso nas importações totais do país.

A desoneração da folha de pagamentos - medida que reduz o custo da mão de obra - e a alíquota adicional de imposto na importação não atingiram pelo menos um dos objetivos: a entrada de produtos estrangeiros cresceu, mesmo com os incentivos. Apesar da política de estímulo à competitividade da indústria nacional, a compra externa de mercadorias produzidas pelos setores beneficiados ganhou mais peso nas importações totais do país.

O desembarque de itens beneficiados nos ramos de couro e calçados, confecções, têxtil, móveis, plástico, materiais elétricos, bens de capital e transporte (autopeças, ônibus e naval) subiu, em média, 6% nos últimos 11 meses - quando a desoneração da folha já estava em vigor - em relação a igual período anterior.

Apesar dessa e de outras medidas, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a entrada de bens estrangeiros dos setores beneficiados avançou mais do que a média nacional. Considerando tudo que o país importou de agosto do ano passado a junho de 2013, as compras internacionais subiram 0,2% na comparação com o mesmo período anterior.

Ao decidir incluir um segmento na lista de desoneração da folha, o governo escolhe detalhadamente os itens que, quando produzidos no país, têm direito à redução no pagamento de contribuição previdenciária - um dos maiores custos da indústria. A descrição dessas mercadorias é bem específica. Se um produto com essas mesmas características entrar no Brasil, haverá uma cobrança adicional de Cofins, que pode variar de 1% a 2% a mais em relação à alíquota normal.

Junto com a medida para reduzir os gastos dos setores com mão de obra, foi criada, então, mais uma "barreira" à importação. A ideia é aumentar a competitividade das empresas brasileiras, diante da forte entrada de produtos estrangeiros.

Levantamento feito pelo Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, mostrou que, nos últimos 11 meses, os desembarques de itens beneficiados nos setores têxtil, couro e calçados, confecções, móveis, plástico, materiais elétricos, bens de capital e transporte somaram US$ 60,4 bilhões, o que representa 28,4% do total importado no período (US$ 212,4 bilhões). No período anterior - agosto de 2011 a junho de 2012 -, a compra externa dessas mercadorias foi de US$ 57 bilhões, ou seja, 26,9% dos US$ 211,9 bilhões importados pelo país.

"A desoneração da folha de pagamento levou a uma desaceleração na entrada desses produtos, mas, de fato, esse movimento foi menor que o verificado na importação total", disse uma fonte do governo.

Para analistas e para representantes dos setores, a medida é importante, mas não suficiente para aumentar a competitividade da indústria. Outros fatores influenciam, como o câmbio. O real deveria estar ainda mais desvalorizado, segundo empresários. Uma reforma tributária mais ampla é defendida por eles.

"As desonerações da folha estão custando caro, sem gerar o efeito esperado", disse Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria, relacionando a medida ao aperto fiscal deste ano. Apenas com esse estímulo haverá renúncia fiscal de R$ 16 bilhões em 2013, prevê o Ministério da Fazenda. Para 2014, essa estimativa é de R$ 24,7 bilhões.

As empresas beneficiadas deixam de pagar contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos e, em troca, desembolsam um percentual sobre o faturamento. "Essa substituição foi pior do ponto de vista fiscal. É um imposto de pior qualidade e desestimula a atividade ao tributar o faturamento", diz Salto. Segundo o economista, a forma escolhida pelo governo para desonerar a folha beneficia as atividades intensivas em mão de obra, mas não aumenta a competitividade de outros ramos. "Alguns setores se beneficiam e outros não", completou.

Procurado, o Ministério da Fazenda não quis comentar os dados. Informou apenas que realiza estudos sobre os efeitos da desoneração - ainda não finalizados - e que serão apresentados à comissão formada por representantes do governo, empresas e trabalhadores para acompanhar e avaliar a medida. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) não respondeu até o fechamento da edição.

O levantamento foi feito apenas com os produtos listados na lei de desoneração da folha de pagamentos. Cada um tem uma Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), uma espécie de código de barras. Isso possibilita saber o desempenho das importações e das exportações apenas dos itens beneficiados pela medida, e não do setor como um todo.

Exportações recuam 8,4%, apesar da redução do custo de mão de obra

Setores beneficiados pela desoneração da folha de pagamentos exportaram menos no período com o benefício. Enquanto as vendas de mercadorias ao exterior caíram 6% nos últimos 11 meses em relação a igual período anterior, os embarques dos produtos desonerados recuaram 8,4%, sem considerar plataformas de petróleo.

A comparação envolve os ramos têxtil, móveis, plástico, materiais elétricos, bens de capital e transporte (autopeças, ônibus e naval) - beneficiados pela medida de redução do custo de mão de obra desde agosto do ano passado -, além dos segmentos de couro e calçados e confecções, contemplados desde o início de 2012.

A medida foi "um alento", diz Rodrigo Branco, economista da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). "Não se vê as desonerações atuando de forma a melhorar o desempenho no sentido de uma inversão de trajetória. Os setores perderam menos, mas é uma coisa pífia", disse. Além disso, a medida é "discriminatória", porque beneficia apenas alguns segmentos, o que "pode gerar desequilíbrio".

As empresas beneficiadas pela medida deixam de pagar os 20% sobre a folha salarial para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em troca, há uma cobrança que varia de 1% a 2% sobre o faturamento como forma de contribuição previdenciária, o que, pelos cálculos, representa uma diminuição dos valores pagos pelos empresários. Os ganhos com exportação não são incluídos como faturamento nesse caso.

Um dos objetivos do Plano Brasil Maior é reduzir o custo ao exportador. Além da desoneração da folha, o governo criou o Regime Especial de Reintegração de Valores (Reintegra), que devolve às empresas até 3% da receita com as vendas ao exterior.

A desvalorização do real também deixou o ambiente mais favorável para as exportações. O câmbio médio entre agosto de 2011 e junho de 2012 - quando a maioria dos setores não tinha o benefício de desoneração da folha - foi de R$ 1,79, segundo cálculos feitos pelo Valor. De agosto de 2012 a junho deste ano, o dólar valeu, em média, quase R$ 2,04.

Mas os empresários brasileiros enfrentam "um cenário exportador ruim", explicou Branco, lembrando que manufaturados nacionais estão perdendo competitividade há algum tempo, sem se recuperarem da crise. As desonerações, para ele, têm "impacto maior na produção industrial interna do que nas exportações".

Se for considerado o setor naval, a queda de 8,4% nas exportações no período analisado passa a ser uma alta de 1,6%. Esse aumento, no entanto, é praticamente todo puxado pelas maiores vendas de plataforma de petróleo. A exportação desses produtos passou de US$ 405 milhões no período não desonerado para US$ 2,8 bilhões nos 11 primeiros meses da medida, alta de 693%. (TR e LM)

 

Para empresários, medida é insuficiente para tornar indústria mais competitiva

Os setores de móveis e transporte (autopeças, ônibus e naval) apresentaram o maior aumento das importações de itens beneficiados pela desoneração da folha de pagamentos. Nesses dois segmentos, as medidas do governo adotadas no último ano não foram suficientes para desacelerar a entrada de bens estrangeiros. Os desembarques de mercadorias produzidas no exterior subiram em ritmo mais forte em relação ao período em que ainda não havia o incentivo fiscal.

Houve aumento de 28,7% nas compras internacionais de itens do segmento de móveis entre agosto de 2012 e junho de 2013 e o mesmo período de 2011 e 2012. Já para o setor de transportes a alta foi de 19,4%. Nas duas situações, o movimento, além de apresentar um forte crescimento, se acelerou quando comparado com as importações realizadas entre agosto de 2010 e junho de 2011.

Os outros setores pesquisados - material elétrico, bens de capitais, plástico, têxtil, couro, confecções e calçados - também apresentaram alta nas importações. Elas foram de 8% para o setor de plásticos, 4,7% para os ramos de couro, confecções, calçados e têxtil e 0,8% para a indústria de bens de capitais e materiais elétricos.

Consultadas sobre os efeitos da desoneração, as associações setoriais dessas indústrias apresentaram conclusões semelhantes: a medida é insuficiente para promover uma retomada significativa da competitividade, apesar de contribuir para uma redução do preço final dos produtos.

"É inegável que o benefício produz efeitos, mas não na medida necessária. O impacto não é suficiente para imaginar que, no curto e médio prazo, a gente consiga recuperar performance", disse o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein.

Já para o presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimovel), Daniel Lutz, "as medidas do governo são paliativas e de pouca intensidade. Elas não têm um efeito muito significativo", explicou Lutz.

Além disso, o setor de plásticos sofre com um problema específico. Um aumento do imposto de importação de matérias primas acabou neutralizando os efeitos da desoneração da folha salarial. "O possível ganho de competitividade dado pela desoneração do custo de mão de obra foi absorvido pelo aumento na alíquota de importação de resinas", analisou o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), José Ricardo Carvalho.

As exportações também apresentam problemas. Exceto o setor de transporte naval, que se beneficiou das vendas de plataformas de petróleo, todos os ramos apresentaram queda nas exportações entre agosto de 2011 e junho de 2012 e os mesmos meses de 2012 e 2013. O setor de plásticos apresentou a maior queda: de 18,6%. Em seguida vem o de móveis, transportes (exceto naval), material elétrico e bens de capital e o de confecção, couros, têxtil e calçados. (LM e TR)

 


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