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Auditorias: modelo atual põe em xeque credibilidade do mercado

Empresas especializadas em auditorias vendem confiança, certificação de dados, de resultados e de informações

Empresas especializadas em auditorias vendem confiança, certificação de dados, de resultados e de informações. É com base nos pareceres das auditorias que gestores, assessores financeiros, investidores, entre outros players do mercado financeiro tomam decisões de compra e venda de ações, por exemplo. Lembremos que as companhias contam com departamentos de contabilidade próprios, mas para o mercado ter a certeza de que os números não foram maquiados, os órgãos reguladores exigem que a documentação seja auditada externamente.

Infelizmente, no mundo inteiro, e ao longo dos anos, grandes empresas têm sido envolvidas em escândalos que já causaram bilhões em prejuízos a investidores, sobretudo aos acionistas minoritários. O caso Americanas é um deles. No final de 2022, veio à tona um rombo estratosférico de R$ 40 bilhões. Claro que esse rombo não aconteceu da noite para o dia. É resultado de anos de fraude contábil. Mas como explicar que as auditorias externas não foram capazes de identificar o problema antes que ele atingisse tal proporção?

O mais curioso é que a Americanas era integrante do chamado “Novo Mercado”, formado por empresas cujas gestões são avaliadas como sendo exemplos de excelência no ambiente da Bolsa de Valores. Se as auditorias que avaliam a situação financeira das empresas listadas na Bolsa o fazem com o mesmo esmero da que aprovou a contabilidade das Americanas, é provável que corramos o risco de uma hecatombe financeira. Claro, vamos torcer para que, ao contrário, os dados auditados sejam confiáveis na maioria das empresas.

Auditorias não têm por obrigação detectar fraudes. No entanto, diante de situações evidentes e incontestáveis, que perduram por longos períodos e com indícios notórios de irregularidades, seria mesmo impossível não perceber certas fragilidades e riscos evidentes. Investidores não conseguem, com facilidade, acessar documentos, falar com advogados, contadores, diretores ou conselheiros e fazer buscas de campo nas empresas. Precisam confiar. E confiam muito nas auditorias, que são bem remuneradas para fazerem o trabalho de garantir a integridade das informações.

Mas vejam como o caso Americanas não é um fato isolado e sim um imbróglio que está longe do fim. No final de novembro, a gigante do varejo publicou o balanço do último trimestre de 2022, revelando e retificando irregularidades contábeis já reconhecidas pela empresa. A ausência de ressalvas pelos auditores ao longo de anos – chamadas tecnicamente como ‘assuntos de auditoria’ – confirma que a auditorias, no mínimo, foram lenientes com as impropriedades graves praticadas por toda a companhia.

Essa situação afetou diretamente os investidores, especialmente debenturistas, que viram seus créditos se tornarem incertos com a abertura da recuperação judicial da empresa. Eles tomaram a decisão de aportar recursos em ativos da varejista baseados em informações fraudadas. Diante deste cenário, foi aberto na Justiça um processo contra as Americanas e os controladores e está sendo mobilizado uma ação de ressarcimento contra as auditorias KPMG e PwC. Essa ação decorre do reconhecimento de que as auditorias, ao longo de anos, falharam em apontar as impropriedades graves nos balanços da Americanas.

O problema não é exclusivo da Americanas nem do mercado financeiro brasileiro. Acontece no mundo todo. Nos Estados Unidos, gigantes como a empresa do setor de energia Enrom e a do setor de telecomunicações WorldCom manipulavam seus dados contábeis sem que a empresa responsável pela auditoria, no caso a Arthur Andersen, detectasse o problema. Lehman Brothers, HealthSouth, Qwest Communications são outras empresas que tiveram histórias parecidas nos Estados Unidos.

No Brasil, além da Americanas houve casos em que as auditorias não identificaram ou fizeram vista grossa envolvendo Petrobras, Banco Panamericano, Carrefour, entre outros. O interessante é que na maioria das vezes, globalmente, as big four KPMG, PwC, Deloitte e Ernst Young estão envolvidas.

Essas falhas que tanto prejudicaram acionistas que confiaram nos números dessas empresas vão se repetir a não ser que seja implementada alguma mudança. Há um problema estrutural. A empresa auditada paga o auditor. Se o parecer não sai como esperado pelo controlador da companhia, a auditoria tende a sofrer pressões e ser substituída. Isso não é exclusividade das auditorias financeiras.

Quem não se lembra da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, que colapsou, causando destruição ambiental e a morte de centenas de pessoas? Pois bem, as empresas independentes de engenharia contratadas para verificar as condições estruturais da barragem, identificaram o risco de rompimento. Mas, de acordo com investigações feitas na época, elas foram pressionadas pela Vale a atestarem a estabilidade dos reservatórios.

Como se vê, a fórmula encontrada para garantir a lisura dos processos contábeis não funciona. E quem sofre perdas com isso são os gestores e todos aqueles que se baseiam expressamente nos balanços e outros documentos auditados para a tomada de decisão sobre investir ou não em uma determinada companhia. Sendo assim, é preciso evoluir para um modelo de maior distanciamento e efetiva imparcialidade, caso contrário, em breve serão os investidores a se distanciarem do mercado financeiro.

*Adilson Bolico e Rafael Mortari são sócios do escritório Mortari Bolico Advocacia para Investidores


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