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IFRS para todos

Nova norma vale também para pequenas e médias empresas, que devem ter aumento de custo com contadores, mas melhora na gestão.

Embora a maioria dos envolvidos ainda não tenha se dado conta, todas as empresas brasileiras terão que seguir, a partir deste ano, o novo padrão contábil vigente no país, que acompanha as normas internacionais chamadas de IFRS. Dentro do termo "todas" estão incluídas não apenas as grandes companhias com ações listadas na bolsa paulista, mas também as pequenas e médias empresas de capital fechado, que de acordo com o Código Civil são obrigadas a levantar balanço todos os anos.

 

O problema é que muitas vezes a legislação anda mais rápido que a realidade. Segundo o diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), Charles Holland, os 417 mil contadores do país, os 150 mil estudantes de contabilidade e os 72 mil gerentes de contas dos bancos ainda não estão familiarizados com as novas normas de contabilidade. E o principal: a maioria dos 5 milhões de empresários que serão obrigados a usar o novo padrão nos seus negócios não faz a menor ideia do que seja IFRS nem nunca viu o balanço da sua própria empresa.

"Será uma mudança tão grande ou maior do que para as grandes companhias, porque essas últimas têm área financeira própria, enquanto nas pequenas a contabilidade costuma ser terceirizada", afirma Maria Helena Pettersson, sócia da área de auditoria da Ernst & Young.

O que se pode dizer diante dessa situação é que pelo menos três coisas devem ocorrer.

A primeira é que, mesmo com a obrigatoriedade a partir do exercício de 2010, a adesão ao novo padrão será feita aos poucos e não atingirá tão cedo boa parte das companhias, já que não haverá mecanismo automático de fiscalização.

A segunda é que os contadores vão querer cobrar mais caro pelo serviço que prestam atualmente, já que o trabalho tomará mais horas e ficará mais sofisticado.

A terceira e recompensadora consequência será uma melhora na gestão das empresas brasileiras de menor porte, que passarão a ter informações mais consistentes sobre seu desempenho.

A obrigação de todas as empresas seguirem o IFRS ocorre de forma indireta. Isso porque o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) adotou os pronunciamentos emitidos nos últimos dois anos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e que tiveram como base a norma internacional.

A adoção pelo CFC torna obrigatória a regra para todos os contadores do país.

No caso das pequenas e médias, não será necessário seguir a versão completa do IFRS, que tem mais de 2,5 mil páginas. O CPC traduziu, ainda em dezembro passado, um pronunciamento específico do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês) para as empresas de menor porte, que tem 225 páginas.

Apesar de mais enxuto, esse pronunciamento simplificado exigirá, por exemplo, a marcação a mercado de instrumentos financeiros para as empresas que possuam aplicações. Haverá também necessidade de constituição de provisão para devedores duvidosos, estoques que estejam parados e passivos trabalhistas.

Segundo Maria Helena, da E&Y, esse tipo de provisão não era feita até então porque as empresas seguiam apenas as regras ficais para fazer o balanço. "Como essas provisões não são dedutíveis, ninguém fazia", afirma.

Segundo Nelson Zafra, coordenador do grupo de estudos de IFRS para pequenas e médias empresas do CFC, a grande novidade do novo padrão é justamente a separação da contabilidade da questão tributária. De acordo com ele, o Brasil tem um tradição muito legalista, em que o Fisco interfere muito na contabilidade. "Estamos vivendo um período de transição e na nova contabilidade a essência vai prevalecer sobre a forma", afirma Zafra.

O dirigente do CFC admite que "ainda vai levar um tempo" para que todos entendam que as novas regras contábeis valem para todas as empresas. "No primeiro ano deve ter mais problemas. Mas a lei vale para todo mundo e a regra é para valer", diz Zafra, que diz que os 27 conselhos regionais de contabilidade devem oferecer cursos para adaptação dos profissionais.

Os contadores que não seguirem as normas poderão perder o registro profissional. "Não vai haver abrandamento de pena", avisa o representante do CFC.

A dúvida sobre a aplicação da nova norma também passa pela questão de custo, uma vez que os contadores podem deixar os clientes contrariados ao tentar elevar o preço cobrado pelo serviço sob o argumento do IFRS.

"Não tenho dúvida de que vai haver aumento de custo. Não deixa de ser uma oportunidade para o contador ser mais valorizado", diz Zafra, que pondera, no entanto, que a diferença vai depender da empresa e da relação comercial. "Tem casos de maior ou menor complexidade", afirma o dirigente do CFC, argumentando que a questão dos instrumentos financeiros é a mais trabalhosa.

Já para José de Arimatea Dantas, consultor financeiro do Sebrae-SP, a nova exigência "não deve trazer muito mais custo". "O ambiente é de livre mercado. E aí entra não só a qualidade, como também o preço", afirma ele.

O consultor lembra ainda que a realidade das micro e pequenas empresas está muito distante da nova exigência. "É lógico que está errado, porque o Código Civil manda fazer, mas muita pequena empresa nem faz balanço. Quando ela precisa, porque vai pedir um empréstimo no banco, por exemplo, o contador vai e faz", diz.

De acordo com Arimatea, nas pequenas empresas a prática de se fazer o balanço acaba servindo apenas para se apurar o lucro para distribuição do resultado entre os sócios. Sem essa peça contábil, a empresa só poderia distribuir o lucro conforme a margem prevista na legislação fiscal.

 

Sped é mais difícil que nova contabilidade, diz Anefac

A adoção do novo padrão contábil deve ser vista como uma oportunidade para as pequenas e médias empresas, e não como um problema, avalia o diretor da Associação Nacional dos Executivos de Administração e Contabilidade (Anefac), Charles Holland. Isso porque a parte negativa da mudança, de gerar mais trabalho e mais custos para os empresários, será inevitável por conta da implantação paulatina do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) e da nota fiscal eletrônica por todas as empresas do país. Por meio do Sped, as empresas divulgam eletronicamente informações fiscais e contábeis para a Receita Federal.

"A implantação do Sped é mais difícil do que a das normas contábeis. Em compensação, o benefício é muito maior com a contabilidade do que com o Sped", resume o especialista. "Já que as empresas terão que reportar as informações com muita retidão para o Estado, por que não entregar informações com mais qualidade para o patrão?", acrescenta.

Segundo Holland, a prática mais comum no mundo é que todas as companhias, exceto as microempresas, tenham contabilidade para valer. "Aqui no Brasil, em decorrência da inflação, acabou se desvalorizando a contabilidade. Mas ela está sendo resgatada em bases galopantes e vai haver uma melhoria drástica no nível de informações", diz.

Mas para que esse benefício seja capturado é importante que os softwares de gestão usados pelas pequenas e médias empresas sejam adaptados ao novo padrão contábil e possam gerar índices de desempenho da companhia.

Um sistema bem montado permitirá o acompanhamento das contas a receber, do giro do estoque, da inadimplência, do fluxo de caixa, enumera o especialista. "É uma fonte de informações para que o empreendedor possa administrar a empresa em bases técnicas e não no apenas no 'achômetro'", diz Holland.

Ele conta que, no trabalho como consultor, uma vez apresentou indicadores de desempenho para o presidente de uma pequena empresa que nunca tinha visto aqueles números. "Ele não tinha a mínima ideia de como andava a empresa. Parecia que ele estava olhando a Playboy", brinca.

De acordo José de Arimatea Dantas, consultor financeiro Sebrae-SP, muitos empresários fazem hoje esse tipo de controle intuitivamente e a decisão de dar atenção a esses índices dependerá da cultura. "A questão é a pessoa ter a consciência de que isso é importante. Mesmo que tenham a informação, alguns nem vão olhar", reconhece o especialista.

Para o coordenador do grupo de estudos de IFRS para pequenas e médias empresas do CFC, Nelson Zafra, deve haver três vertentes de empresas na adoção da nova norma. "Terão aquelas que vão querer fazer porque é da sua cultura. Outras que vão adotar para entrar numa licitação, por exemplo, e aquelas que não vão querer fazer nunca", afirma.

Por outro lado, há pequenas e médias empresas que mesmo podendo adotar a versão simplificada do novo padrão contábil, já decidiram usar o modelo completo do IFRS. Segundo Maria Helena Pettersson, sócia da Ernst Young, isso decorre do plano dessas empresas de lançar ações na bolsa. "Quando a companhia abre o capital, ela precisa apresentar o balanço de três anos no modelo completo. Para essa empresa, o simplificado pode não valer a pena", diz.(FT)


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