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Nova lei pode mudar o índice de correção de tributos restituídos

Emenda "contrabando" prevê uso da poupança para atualizar valores devidos

Adriana Aguiar

O artigo inserido na Lei nº 11.960, de junho deste ano, que modificou a correção monetária dos valores das condenações impostas à Fazenda pública, pode dar margem para se aplique o novo índice - da caderneta de poupança - também na compensação de créditos tributários. Se essa previsão for colocada em prática, as empresas que têm valores a receber do fisco por conta de tributos pagos a mais ganharão menos com a nova atualização monetária. A lei já trouxe um reflexo direto na correção de precatórios, cujos credores que ainda não receberam os valores devidos pelo poder público federal, estadual e municipal poderão ganhar valores menores do que os que já foram indenizados (leia matéria abaixo).

A emenda "contrabando" inserida na Lei nº 11.960, fruto da conversão da Medida Provisória nº 447, que trata do parcelamento de débitos dos municípios com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), alterou o índice de correção das condenações de qualquer natureza sofridas pela Fazenda pública. O artigo 5º da nova lei estabelece que "nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança".

A atualização de valores nos casos de restituição tributária está prevista na Lei nº 9.250, de 1995, que estabelece que incide a taxa Selic para a correção dos tributos pagos a mais. Hoje a Selic está em 9,16% ao ano, enquanto a correção da caderneta de poupança com a Taxa Referencial (TR), que não chega a 1% ao ano, ficaria em no máximo 7% ao ano. Porém, se a correção dos créditos tributários passar a ser feita pelo novo índice previsto na Lei nº 11.960, advogados já adiantam que haverá polêmica em sua aplicação.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) adiantou ao Valor que deverá entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar o artigo 5º da nova Lei nº 11.960. De acordo com o presidente da comissão de precatórios da OAB federal e da seccional paulista da entidade, o advogado Flávio Brando, como o artigo determina que a correção incidirá nas condenações independentemente da sua natureza, "certamente as Fazendas interpretarão isso da forma que lhe for mais favorável". "Ou seja, tentarão atualizar apenas pelos índices da caderneta de poupança", diz. Por isso, Brando adianta que, além de questionar a norma por conta da correção utilizada para os precatórios, a OAB também deverá abordar na mesma ação a questão das compensações de créditos tributários devidos, na tentativa de derrubar o dispositivo da norma.

Um dos argumentos que poderão ser utilizados é a situação de desequilíbrio e de imoralidade que a nova lei traria - ambos princípios previstos na Constituição Federal. Isso porque, segundo ele, se esses valores deixarem de ser atualizados pela Selic, índice que corrige as dívidas dos contribuintes com o fisco, haveria dois pesos e duas medidas. O advogado Luiz Felipe Dias de Souza, da consultoria Jus Finance e membro da comissão de precatórios da seccional paulista da OAB, que está auxiliando na reunião de material sobre o tema para a Adin a ser impetrada no Supremo, afirma que outra linha de argumentação que poderá ser adotada fundamenta-se no fato de a caderneta de poupança utilizar a TR - índice que não refletiria a inflação e não poderia ser usado como forma de atualização monetária, diz. "A melhor forma de correção seria manter a Selic, que deixaria o mesmo índice de atualização tanto para o governo quanto para os contribuintes", afirma o advogado.

Além da ação da OAB, advogados prometem contestar a correção prevista na nova lei se ela realmente for efetuada nos casos de compensação de créditos tributários. Para a advogada Adriene Miranda, do escritório Adriene Miranda & Associados, que já está estudando o tema, a Lei de Introdução ao Código Civil - o Decreto-Lei nº 4.657, de setembro de 1942 - prevê que uma legislação nova, quando estabelece normas gerais, não revoga e nem modifica uma lei específica anterior. Por isso, ela defende que a Lei nº 9.250, de 1995, que prevê a Selic para a restituição tributária, continuaria valendo. "Acredito que essa será a decisão quando o caso chegar aos tribunais superiores", diz. "Mas até lá poderão haver muitas posições desencontradas sobre o tema entre os juízes." A advogada Valdirene Lopes Franhani, do escritório Braga & Marafon, também concorda que há diversos argumentos favoráveis aos contribuintes, pelo menos quando se trata da compensação de tributos. "A lei que prevê a correção pela Selic não foi revogada. Além disso, essa mudança afrontaria o princípio da isonomia", defende. Para ela, o artigo contestado não poderia ser aplicado para as atualizações monetárias de processos fiscais e só teria validade para os processos cíveis e para precatórios alimentares. Apesar de haver a possibilidade de que o artigo inserido na nova lei seja utilizado para processos fiscais, Valdirene não acredita que a Fazenda deverá utilizá-la, já que há uma orientação da própria Receita Federal do Brasil de que incide a Selic na compensação de créditos - a Instrução Normativa (IN) nº 900, de dezembro do ano passado, que trata da compensação de tributos.

A assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que o artigo 5º da Lei nº 11.960 não passou pela avaliação do órgão antes de a lei ser publicada e que, por isso, o assunto deve ser submetido à análise da Fazenda Nacional somente agora.

  OAB vai contestar uso da regra no Supremo

Se o artigo 5 da Lei nº 11.960, que impôs a incidência do índice de correção monetária das caderneta de poupança nas condenações sofridas pela Fazenda pública, ainda gera dúvidas com relação à sua aplicação em compensações tributárias, no caso dos precatórios o uso da nova norma é certo. Movido principalmente por conta dessa situação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já está preparando uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), a ser impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF), com um pedido de liminar para suspender a aplicação da norma até que o mérito do caso seja analisado.

Na prática, um precatório originado de uma desapropriação, por exemplo, que até então era pago com a incidência de juros de 6% ao ano mais 1% de mora, além de correção monetária oficial pelo IGPM ou pelo INPC (dependendo do Estado), passa, com a nova lei, a ser corrigido apenas pelo índice da caderneta de poupança. Com a alteração, há uma redução significativa dos valores desses títulos a serem recebidos pelos credores, que podem chegar a significar, em alguns casos, quase a metade se aplicada a nova forma de correção. Ainda que a incidência de nova correção para esses títulos esteja prevista na nova lei, não há clareza sobre a possibilidade ou não de os governos tentarem aplicá-la para os precatórios já emitidos, cujos titulares aguardam na fila para receber os valores a que têm direito com decisões judiciais definitivas em mãos. Para o advogado Flávio Brando, presidente das comissões que tratam de precatórios tanto do conselho federal da OAB quanto da seccional paulista da entidade, o novo artigo trouxe insegurança jurídica ao tema e pode dar margem para que os governos passem a utilizá-lo nos casos em que ainda não houve o pagamento, mas cujas decisões já são definitivas. Já para o ex-presidente da comissão de precatórios da seccional gaúcha Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Telmo Schorr, no entanto, esses índices geralmente estão fixados na própria sentença e isso deve ser cumprido.

 


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