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Empreendimentos: Pedidos de falência e de recuperação em alta

Em meio à crise econômica mundial, que derrubou bolsas de valores, e à retração no mercado interno, aumenta o número de requerimentos para recuperação de empresas e pedidos de falências no País. Dados do Indicador de Falências e Recuperações

Luciane Medeiros

Em meio à crise econômica mundial, que derrubou bolsas de valores, e à retração no mercado interno, aumenta o número de requerimentos para recuperação de empresas e pedidos de falências no País. Dados do Indicador de Falências e Recuperações divulgado pela Serasa Experian em junho mostram crescimento nos primeiros meses deste ano. Entre janeiro e maio foram feitas 334 solicitações de recuperação contra 114 no mesmo período de 2008, um aumento de 193%. Nas falências, foram 255 pedidos apenas em maio deste ano - em 2008, foram 213.

A chamada nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/05) trouxe melhorias nos procedimentos para os empresários que necessitam recorrer a essas medidas para salvar ou encerrar seus negócios. A legislação anterior, de 1946, oferecia além da falência a figura da concordata, espécie de processo de moratória. Pela regra aprovada em 2005 surgiu a possibilidade de recuperação judicial, com mais flexibilidade ao processo na tentativa de reverter o quadro de dificuldades que a empresa atravessa.

Na opinião de Gilberto Corrêa, da Veirano Advogados, as alterações representam uma mudança significativa nos procedimentos. Com o pedido de recuperação, é possível incluir créditos trabalhistas, deixando o processo mais abrangente na comparação com a concordata. "A recuperação alcança um número maior de credores", afirma.

A instituição da recuperação judicial segue modelo adotado por outros países, como EUA, Alemanha e França. O advogado do escritório Sergio Müller & Associados e professor da pós-graduação da Pucrs em Direito Empresarial Thomas Müller explica que, para reorganizar os negócios, o empresário necessita de uma revisão estratégica dos seus problemas. Quando existia a figura da concordata, o empresário dispunha de apenas dois anos para resolver a situação, período em que os débitos eram congelados. Na recuperação não há esse limite.

Em relação à falência e liquidação, houve alteração no processamento. Antes havia o processo de habilitação de créditos, onde os credores apresentavam seus pleitos, depois processados e decididos pelo juiz. Hoje essas questões são vistas em uma primeira etapa pelo próprio administrador judicial. Assim que decretada a falência, os ativos são avaliados para que sejam vendidos o quanto antes. Antigamente, isso só ocorria após apurado todo o passivo. A legislação recente estimula a venda da empresa como um todo ou em unidades, desde que não traga prejuízo para a apuração de valores.

Crise é teste para regras

Quando aprovada em 2005, a Lei de Falências e Recuperação de Empresas foi chamada por muitos como a "Lei da Varig". A companhia aérea atravessava a turbulência que resultou na sua estruturação. Segundo Thomas Müller, crise na Varig pode ter acelerado o novo tratamento à questão da falência, auxiliando a empresa na sua recuperação. "O grande objetivo da lei é a preservação da atividade econômica."

Gilberto Deon Corrêa, da Veirano Advogados, concorda que o momento atual é crucial. Com o crescimento do número de empresas solicitando falência ou recuperação, a lei passa por um período de avaliação. A demanda faz com que seu funcionamento seja bem analisado. "Também as mentalidades das pessoas que lidam com a legislação mudam."

A lei está focada na ideia de negociação e transparência. Anteriormente, diz o advogado da Veirano, havia o conceito de que em um processo de falência ou concordata tinha espaço apenas para litígio. "Hoje cabe aos envolvidos introjetarem a noção de que é possível dialogar para resolver os impasses", diz.

Para Müller, a legislação é avançada no tratamento da recuperação. Há por parte dos empresários o entendimento de que ela difere da antiga concordata. "O empresário que ajuiza a recuperação deve transmistir credibilidade, transparência e se comprometer com o resultado."

Müller participa de eventos em outros países e diz que a percepção dos profissionais é de que a crise ainda não chegou ao fundo do poço. "No Brasil, sentimos um pouco depois o impacto econômico." Segundo ele, há projeções para crescimento do desemprego nos Estados Unidos até o final do primeiro trimestre de 2010.

Ações de planejamento auxiliam na saúde da empresa

Antes de atingir uma situação em que seja necessário pedir a recuperação judicial ou decretar a falência dos negócios, o empresário deve utilizar ferramentas para não ser afetado pelas dificuldades financeiras. Não só problemas do porte de uma crise global mas também empecilhos sazonais, retração no mercado ou maior concorrência, por exemplo, afetam os rendimentos. O contador e diretor da Gerencial Auditoria e Consultoria Ângelo Mori Machado considera o planejamento o caminho para aqueles que desejam escapar das turbulências.

Segundo Machado, nas companhias que possuem estrutura organizacional de gestão econômica e financeira o risco de atravessar períodos de dificuldades é amplamente reduzido. A existência de um plano estratégico traçando cenários futuros, com espaço tanto para a redução quanto para a ampliação de escala, auxilia na gestão financeira.

A rotina administrativa de qualquer empresa deve estar baseada em uma análise sólida, que implica estar atento às cargas de impostos, ao crédito necessário para manter o negócio e também ao contexto em que está inserida sob o ponto de vista da liquidez dos serviços oferecidos. "Momentos de crise sempre existiram e vão existir. Ser empresário é um enorme desafio, independente dos fatores financeiros e econômicos", diz.

Conforme pesquisa recente divulgada pelo Sebrae-RS, 77% das falências em pequenas e micro empresas localizadas no Rio Grande do Sul acontecem por falhas gerenciais. Os motivos ficam em torno de problemas financeiros seguidos pela falta de capital de giro, e de preparo para a administração, desconhecimento do mercado, dos concorrentes e do ponto adequado para a instalação do negócio. A carga tributária elevada aliada à falta de crédito bancário e aos problemas com a fiscalização fica como o segundo motivo para a extinção das empresas no Sul do País.

Machado sugere aos empresários estabelecer ações como o emprego da governança corporativa, ferramentas de controle financeiro e gerenciamento do fluxo de caixa. Além disso, questões como separar família e negócios, quando trata-se de uma empresa familiar, e a boa qualificação dos funcionários devem ser consideradas. "O empresário precisa avaliar cenários, participar de órgãos de classe como a Federasul e Sebrae, ampliando seu horizonte de conhecimento para ver outras realidades. Dessa forma poderá tirar exemplos úteis ao seu trabalho", aconselha.

Diante desse cenário cabe ao contador atuar como um consultor e parceiro da gestão. "O papel do profissional contábil, que vendemos e ditamos no escritório, é pegar os dados, processar as informações e levar ao empresário no intuito de lhe dar apoio, alertando para possíveis riscos. O contador deve trabalhar como um apoiador para a tomada de decisão do empresário, seu cliente", destaca Machado.

Sucessão e venda de unidades produtivas são pontos polêmicos

Duas questões envolvendo a Lei de Recuperação e Falências geram debates entre advogados, juristas e empresários. A legislação criou a possibilidade de venda de unidade produtiva durante o processo de recuperação sem que o adquirente torne-se responsável pelos débitos do falido.

Quando compra um estabelecimento comercial que já está em funcionamento, o adquirente automaticamente responde perante o fisco, sucedendo nas obrigações da empresa também em relação a pendências trabalhistas. A lei dá a possibilidade de ser feita a venda com ou sem sucessão. Se realizada sem sucessão, quem adquirir pagará mais pelo negócio, porém não assumirá os passivos existentes.

Gilberto Corrêa, da Veirano Advogados, cita o exemplo da venda da Varig, concretizada sem sucessão. A Justiça do Trabalho direcionou vários processos de ex-funcionários contra a Gol, a sucessora. Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a competência para discutir essa matéria não é da Justiça do Trabalho, e sim daquela onde está sendo processada a recuperação.

Thomas Müller, da Sergio Müller & Associados, diz que os tribunais ainda não enfrentaram a questão atinente aos requisitos que devem ser observados para que a realização da venda de uma unidade produtiva ou filial de empresa seja feita sem sucessão. Dentre as hipóteses, há a possibilidade de fazer a venda por leilão ou proposta.

Sistemática pode ser saída para reestruturar negócios

O pedido de recuperação de empresas vem sendo utilizado por muitas empresas como ferramenta de reestruturação do negócio, seja por meio de ingresso de investidor - que sente segurança no método - seja na venda do negócio ou parte dele. O tema afeta não só as empresas devedoras em dificuldades como também às credoras, pois esperam receber seus créditos.

No escritório Sergio Müller & Associados, com atuação no Rio Grande do Sul, São Paulo e outras cidades, o volume de empresas buscando a recuperação é grande. O advogado Thomas Müller cita entre os clientes em recuperação os exemplos das gaúchas Muri Engenharia Industrial e Archel e a companhia aérea Pantanal. No caso do Frigorífico Independência, de São Paulo, o passivo atinge aproximadamente R$ 2 bilhões, diz Müller.

"Diversos setores estão ajuizando o pedido de recuperação judicial. Os empresários enxergam a lei como uma ferramenta de reorganização." De acordo com o advogado e professor da Pucrs, os empresários em crise têm se valido da recuperação judicial para solucionar seus problemas, uma vez que ela permite a reorganização do passivo e muitas vezes sua transferância a outra empresa com melhor capacidade de gerir ou financiar o empreendimento.

Durante a recuperação, deve ser proposto um plano de recuperação, onde o empresário lançará mão de medidas como a amortização de seus passivos em prazo superior a dois anos, poderá alienar unidades produtivas, transferir o controle da companhia, fechar unidades, reduzir salários ou outros pontos. Cabe aos credores aprovar ou não esse plano de recuperação.


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