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O trabalho do futuro

Uma nova revolução industrial está em curso e promete transformar o mundo do trabalho. Saiba por que a cultura das startups está tomando conta das grandes corporações e como essa nova ordem mundial irá afetar a sua empresa

A jornalista e empresária Barbara Soalheiro é uma solucionadora de problemas. Essa é, pela falta de uma categorização oficial, a melhor definição do seu trabalho, atualmente. Barbara criou e comanda a Mesa & Cadeira, que ela define como uma agência/consultoria/boutique de ideias com base em São Paulo, e vem conquistando clientes do porte de Coca-Cola, Fiat, Nestlé, Natura e até do americano Kobe Bryant, um dos maiores jogadores da história da NBA, liga de basquete profissional dos Estados Unidos.

Bryant contratou a empresa para traçar um plano de investimento social no esporte brasileiro. O que Barbara faz para ganhar a confiança de tantos nomes de peso é, justamente, desatar nós. A Mesa & Cadeira oferece um serviço que promete resolver qualquer assunto em discussão nas companhias, seja ele estratégico ou prático, no prazo de apenas cinco dias. Para isso, Barbara e sua equipe organizam o que ela chama de “mesa de trabalho”. Em parceria com o cliente, a empresa busca até no máximo 12 profissionais do mercado, de diversas áreas e de outros países, e os faz trabalhar exclusivamente no projeto em questão por cinco dias.

Ao final desse prazo, o contratante recebe um plano de ação detalhado, viável e pronto para ser implementado. “Nós conseguimos reunir, em um único espaço e ao mesmo tempo, todas as pessoas necessárias para um determinado projeto”, diz Barbara, que comandou ou participou de 40 dessas jornadas nos últimos dois anos. “É impossível sairmos da mesa sem uma solução.” Foi assim que a Mesa & Cadeira não só encontrou um nome para a nova picape da Fiat, a Toro, mas também desenvolveu uma metodologia para “batizar” os carros, que deverá ser usada nos próximos lançamentos.

Na primeira semana de janeiro, enquanto Barbara se preparava para mais uma rodada de solução de problemas, dessa vez para a Nestlé, o carioca Leonardo Framil assumia o cargo de presidente da americana Accenture, uma das maiores consultorias do mundo, no Brasil. Sua primeira ação foi mandar retirar as divisórias das salas dos escritórios da companhia, que está instalada em um moderno edifício no bairro de Santo Amaro, zona Sul da capital paulista. “Temos de facilitar a comunicação a todo custo”, justifica o executivo.

Assim como Barbara, Framil é um solucionador de problemas. A principal diferença entre eles está no tamanho das suas empresas. A Mesa & Cadeira possui apenas cinco funcionários fixos. Já a Accenture conta com um exército de 12 mil pessoas, só no Brasil, e mais de 350 mil profissionais no mundo. A princípio, a impressão é de que são dois universos distintos, o primeiro sendo formado por uma promissora startup e o segundo, por uma consultoria tradicional e de grande porte.

Há, no entanto, algo que os une e seduz seus clientes multinacionais: as mudanças radicais em curso no mercado de trabalho, protagonizadas pela chamada Quarta Revolução Industrial. Trata-se da quebra de modelos de negócios e da derrubada de paradigmas seculares em decorrência do avanço da tecnologia, em especial nos campos da comunicação, robótica e inteligência artificial, e que está levando a uma aproximação da cultura das startups e das grandes corporações. “É preciso entender que as mudanças, daqui pra frente, serão constantes.

Temos de nos acostumar com isso”, afirma Framil (leia entrevista ao final da reportagem). Somente com a agilidade e a capacidade de inovar típicas dos pequenos empreendedores é que será possível sobreviver a essa nova ordem mundial do mercado de trabalho. A tendência não é passageira. À medida que mais e mais jovens da chamada geração Y, ou millenials, nascidos nos anos 1980, e da geração X, dos anos 1990, entram no mercado de trabalho e avançam na carreira, modelos antigos de emprego se tornam obsoletos e também um obstáculo para o crescimento das empresas.

Casos, por exemplo, da jornada de trabalho “das nove às seis”, das rígidas hierarquias, das salas e até das mesas de trabalho. O cenário é desafiador e deve mexer com todas as instâncias do mundo corporativo, do CEO ao faxineiro. Adaptar-se exige profundas transformações estruturais e na cultura da organização. É o que a Accenture está fazendo. Segundo Framil, a consultoria está promovendo uma série de ações para alinhar-se a esse novo mundo digital, conectado e móvel.

Hierarquias estão sendo quebradas, processos revistos, burocracias eliminadas e, o mais importante, toda a estratégia da companhia está sendo repensada de modo a abraçar as novas tecnologias, o compartilhamento de informações e o trabalho em grupo. “Hoje, 30% das nossas receitas vêm dos serviços digitais”, diz Framil, em referência à área da Accenture que auxilia grandes companhias a entrarem no mundo digital. Entre as várias mudanças em curso, duas se destacam.

A primeira é a adoção da chamada cultura “maker”, típica das startups, que preconiza a tomada de decisões e ações imediatas, mesmo que resultem em fracasso. Junto com o banco Itaú, a empresa mantém um espaço, chamado Cubo, que funciona como uma incubadora de empresas e uma espécie de laboratório de soluções inovadoras. “Não se trata de apenas investir nessas startups”, diz Framil. “Queremos empreendedores ao nosso lado criando soluções que resolvam os problemas dos nossos clientes.”

A segunda é a divisão do trabalho em pequenas equipes, que funcionam como células independentes e autônomas, que não dependem da hierarquia tradicional para tomar decisões. Cada time tem poder suficiente para iniciar e terminar cada projeto. O objetivo é aumentar a velocidade. “Grande parte dos projetos que entramos, atualmente, tem duração de um mês ou até menos”, diz. Um estudo apresentado no Fórum Econômico Mundial, realizado na semana passada em Davos, na Suíça (leia mais aqui), mostra que os avanços tecnológicos vão “matar” 5 milhões de empregos, globalmente, até 2020.

Dois terços das vagas que serão cortadas dizem respeito a trabalhos de escritório e administrativos. Mercados como os de energia, de mídia e entretenimento sofrerão intensas mudanças de gestores. E mais: 65% das crianças que estão entrando na escola primária irão trabalhar, no futuro, em algum tipo de emprego que ainda não existe. Esse cenário, de cunho apocalíptico para quem tem aversão a mudanças, torna premente o surgimento de uma força de trabalho capacitada para as demandas do futuro, além de empresas que entendam a profundidade das transformações.

“Para essa revolução de talentos acontecer, empresas e governos terão de mudar profundamente suas abordagens em relação à educação, desenvolvimento de habilidades e ao emprego”, diz o estudo. O que está havendo é uma ruptura com o modelo tradicional verticalizado, no qual cada nova etapa de um processo depende da conclusão da anterior, em favor de um modelo de trabalho em paralelo, em que grupos independentes entregam soluções ao mesmo tempo. É como se cada equipe ou departamento das companhias se transformassem em pequenas empresas, com sócios no lugar de funcionários e empreendedores no lugar de chefes.

Mesmo em setores tradicionais da indústria, como o automotivo, essa nova ordem mundial está se espalhando. Na Fiat, a adoção da cultura startup ganhou status estratégico e um projeto específico, o Afterburner, nome inspirado em uma câmara de combustão que fornece empuxo extra a foguetes espaciais. Trata-se de um laboratório de criatividade que entra em cena quando há a necessidade de resolver desafios intrínsecos às mudanças do mercado. Assim como no caso da picape Toro, que contou com a parceria da Mesa & Cadeira, a equipe do Afterburner resolve rapidamente problemas complexos ao unir diversas habilidades trabalhando em paralelo com um só objetivo. “Adotamos a ideia do fail fast (falhar rapidamente).

Se algo tiver de dar errado, que seja logo, para que seja consertado antes do produto ir ao mercado”, afirma Mateus Silveira, gestor do Afterburner e responsável pela área de pesquisa de mercado da FCA, dona das marcas Fiat e Chrysler. “Quando eu olho para o capital intelectual da Fiat, não consigo imaginar por que essa transformação que está sendo promovida pela revolução digital só possa acontecer fora das grandes empresas.” O gigante da internet Google talvez tenha sido a primeira empresa a tirar proveito dessa nova ordem. Celeiro de grandes inovações, a companhia adota há um bom tempo a ideia de que as pessoas não precisam estar fisicamente no mesmo local para trabalharem juntas.

“Entendemos que o trabalho é o resultado de várias pessoas colaborando para criar algo novo”, afirma Alessandro Leal, diretor de negócios do Google, que concedeu entrevista à DINHEIRO diretamente de Nova York utilizando a plataforma Hangouts, de videoconferência, da empresa. “Não há mais barreiras tecnológicas para o trabalho remoto. Qualquer empresa pode colocar sua equipe na rua, em contato direto com os clientes, sem prejuízo da produtividade.”

NOVAS HABILIDADES Como será, então, o futuro do trabalho? “A verdade é que não há uma fórmula, conhecemos apenas um caminho, e ele passa por um ambiente colaborativo, móvel e pelo entendimento do cenário atual”, afirma Framil, da Accenture. A questão é que há um descompasso entre o que querem os profissionais das novas gerações e o que as empresas entendem como a melhor maneira de reter talentos.

Segundo uma pesquisa realizada pela FGV de São Paulo, a pedido da consultoria PwC, com 113 companhias que atuam no Brasil, enquanto jovens colocam o aprendizado, o desenvolvimento pessoal e horários flexíveis como os principais benefícios esperados do empregador, as empresas utilizam, principalmente, a remuneração para atrair e reter profissionais. Isso é preocupante porque essas mesmas companhias apontam a dificuldade de obter profissionais qualificados como a tendência mais impactante para o negócio atualmente. “Políticas de remuneração são importantes, mas um modelo voltado para resultados e pouco condizente com as necessidades das pessoas é falho desde a origem”, diz o estudo.

Agora, se alguém duvida da força desse modelo startup, basta olhar para a Mesa & Cadeira. A empresa cobra entre R$ 180 mil e R$ 380 mil por uma consultoria. Apesar do custo relativamente elevado para um serviço novo e ainda em desenvolvimento, não faltam clientes. O próximo passo de Barbara é conquistar o mundo. A primeira parada será na Nova Zelândia, onde, aliás, reside Sandra Chemin, uma das poucas colaboradoras fixas da companhia. Ela se juntou ao time no começo do ano passado para estruturar as operações da Mesa no exterior. Sandra é fundadora da Hipermídia, uma das primeiras agências de publicidade online do Brasil, vendida para a Ogilvy em 1999.

Após o negócio, ela comprou um veleiro, o Santa Paz, e embarcou em uma volta ao mundo com o marido e duas filhas. Dez anos depois, voltou ao Brasil e baixou a âncora em Paraty, no Rio de Janeiro, de onde passou a prestar consultoria. “Quando fundei a Hipermídia, ainda não havia acesso a internet fora da universidade, mas sabíamos que algo poderoso estava nascendo e apostamos”, diz Sandra. “Hoje, sinto um momento parecido, no qual é possível trabalhar com pessoas de lugares diferentes do mundo, unidas por um projeto comum. A Nova Zelândia, para mim, é hoje mais perto de São Paulo do que Paraty.”

"As mudanças serão constantes. Temos de nos acostumar com isso"

O executivo Leonardo Framil assumiu a Accenture em janeiro com a missão de prepará-la para os novos desafios. Ele fala sobre o futuro das organizações:

O que esperar da Accenture nos próximos anos?

Hoje, os serviços digitais respondem por 30% da nossa receita no País. Esses serviços compreendem tudo o que é preciso para que nossos clientes enfrentem as mudanças resultantes do avanço da tecnologia. Há pouco tempo, esse era um mercado marginal. Cada vez mais estamos incorporando a cultura das startups. Buscamos trazer os empreendedores para o nosso lado.

Isso significa uma mudança na forma de atuar?

Grande parte dos projetos em que entramos hoje é de curto prazo, de um mês por exemplo. Os resultados precisam aparecer rapidamente.

A Accenture também teve de se adaptar?

Existem desafios legais, especialmente no Brasil, mas adotamos formas alternativas de trabalho, que fogem da jornada padrão das nove às seis”. O que estamos fazendo é adotar uma estrutura menos hierárquica. Cada projeto é encarado como um empreendimento. As equipes possuem autonomia para tomar decisões. Os times funcionam como células independentes. Isso traz muito mais agilidade e eficiência.

Como o sr. enxerga o futuro das organizações?

É preciso entender que as mudanças serão constantes. Temos de nos acostumar com isso. As empresas precisam de estruturas capazes de lidar com essas transformações, da forma mais rápida possível.


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