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Crescimento forte e risco de inflação

Consumo em alta fortalecerá desenvolvimento do país, mas também causará elevação de preços. Nesse cenário, Banco Central aumentará os juros

Vicente Nunes

O Brasil corre o risco de enfrentar um quadro de inflação de demanda, ou excesso de consumo, em 2010, o que pode levar o Banco Central a aumentar a taxa básica de juros (Selic), de 8,75% ao ano, apesar das eleições presidenciais. “A autoridade monetária tem que ter em mente que tomar ações preventivas é melhor do que adotar medidas curativas. É melhor prevenir do que remediar”, disse, de forma enfática, o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita. No cenário traçado por ele, todos os riscos neste momento são de inflação para cima, dada a velocidade com que a economia brasileira se recuperou da crise mundial. O BC projeta crescimento de 5,8% no ano que vem — a previsão mais otimista dentro do governo e acima da média do mercado, de 5% —, mas estima inflação de 4,6%, acima do centro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,5%.

Segundo Mesquita, de setembro para cá, o BC foi obrigado a elevar a projeção de inflação para 2010, de 4,4% para 4,6%. E um dos motivos principais para essa revisão foi o forte aumento do uso da capacidade instalada da indústria. A ociosidade das fábricas, que vinha ajudando a manter os preços sob controle, está chegando ao fim. No total, o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (NUCI) está apenas 0,7 ponto percentual abaixo do registrado em setembro de 2008, quando estourou a crise mundial. No segmento de bens de consumo, porém, as unidades de produção já estão operando em um patamar acima do registrado naquele período.

Ou seja, para que não faltem produtos (desabastecimento) e a indústria não se sinta confortável para reajustar suas tabelas, é preciso que os investimentos na ampliação das fábricas aumentem significativamente. O que o BC não está vendo no horizonte. “O risco é de que as condições de oferta não consigam responder plenamente no caso de um crescimento mais acentuado da demanda”, destacou o banco no relatório trimestral de inflação divulgado ontem. Assim, o equilíbrio terá que vir por meio da redução da demanda via elevação dos juros. Possibilidade que se torna maior se a recuperação da economia mundial for mais rápida do que o imaginado, fazendo os preços das commodities (mercadorias com cotação internacional) dispararem. O impacto desse movimento é quase imediato na economia brasileira.

O BC alerta ainda para os riscos decorrentes dos estímulos fiscais (corte de impostos) e monetários (queda dos juros) dados pelo governo para tirar o país da recessão na qual mergulhou depois do fim da bolha imobiliária americana. “Esses riscos se tornam mais elevados à medida que se considera que a inflação corrente já se situa em valores ao redor da meta, limitando a margem de acomodação da política monetária”, frisou a instituição. Para este ano, quando, nas contas do BC, o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 0,2% (a previsão anterior era de 0,8%), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá cravar 4,3% (ante 4,2%). Para 2011, a estimativa é de inflação de 4,6%.

Dedo no gatilho

“Se fosse resumir o que disse o relatório de inflação, diria o seguinte: o BC está com o dedo no gatilho para subir juros ao menor sinal de desconforto com o comportamento dos preços e das expectativas do mercado”, disse a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif. Essa avaliação ficou clara devido às constantes repetições de Mesquita de que os “analistas acreditam, e estão certos disso, que o BC não medirá esforços” para manter a inflação próxima ao centro da meta. Mas, no entender de Zeina, talvez o gatilho só seja disparado a partir de julho do ano que vem. O grosso dos analistas aposta, porém, em elevação da Selic a partir de abril.

Para ressaltar a importância de o BC se manter cauteloso e conservador quanto aos rumos da inflação, Mesquita lembrou que os preços dos serviços, muito vinculados ao poder de compra dos trabalhadores, não caíram na velocidade desejada, com alta acumulada de 6,42% nos 12 meses terminados em novembro. Isso, segundo ele, só reforça a percepção de que a inflação no Brasil é muito mais resistente do que a média mundial, fruto do histórico de longos anos de descontrole dos preços.

Outro ponto importante a ser observado, na opinião do diretor do BC, é o fim do ciclo de deflação no mundo, originário do terremoto provocado pela quebra do banco americano Lehman Brothers. Em vários países emergentes, como a Índia, onde o consumo de recuperou mais rápido, a inflação dá sinais de fugir ao controle, atingindo 11,5%. Entre as economias mais ricas, o Reino Unido está com índice de 1,6% e a Austrália, de 1,3%. “No Brasil existia, no início do ano, um grupo de analistas que apostava em inflação abaixo do centro da meta em 2010. Em maio, esse grupo havia diminuído. Agora, com a força de demanda, esse grupo sumiu”, destacou. Ele garantiu, porém, que são de apenas 7% as chances de o Brasil não cumprir a meta de inflação em 2010.

A visão da Fazenda

Apesar dos alertas do BC sobre uma possível alta da taxa básica de juros em 2010, o Ministério da Fazenda não vê necessidade de arrocho até o fim do próximo ano. Para assessores do ministro Guido Mantega, o “excesso de otimismo” do BC, ao prever crescimento de 5,8%, conforme relatório divulgado ontem, pode estar por trás da ameaça de elevação da Selic. “Na pior das hipóteses, pode ser que os juros subam no último trimestre de 2010. Isso, se realmente a inflação sair do controle, o que não estamos vendo. Mas aumentar juros nos primeiros seis meses será um absurdo injustificável”, disse um dos auxiliares do ministro. A Fazenda manterá, por enquanto, estimativa de alta de 5% para o PIB de 2010. (VN)

Renda e crédito subirão

Se o presidente Lula corre o risco de se desapontar com o aumento da taxa básica de juros (Selic) em 2010, em plena campanha para fazer da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a sua sucessora, terá um prato cheio para manter as esperanças de vitória. Segundo o diretor de Política Econômica do Banco Central, Mário Mesquita, os brasileiros vão conviver com aumento da renda, desemprego em queda e crédito farto, mesmo com os bancos públicos botando um pé no freio. Pelas suas contas, o rendimento oriundo dos programas sociais (Bolsa Família) e da Previdência Social terá aumento de 10,6% acima da inflação. No total, a massa salarial deverá dar um salto de 7,6%.

Quanto à taxa de desemprego, destacou o diretor do BC, a estimativa é de que, na média de 2010, fique em 7,8%. Se confirmado, será o menor índice da série histórica do IBGE, iniciada em 2002. Para dezembro do ano que vem, especificamente, Mesquita prevê taxa de 6,5% ante 6,6% do mesmo mês de 2009. “Foi a rápida recuperação do emprego, por sinal, um dos principais fatores que garantiram a rápida recuperação da atividade econômica depois da crise”, assinalou. “Veremos um quadro muito favorável para o mercado de trabalho no ano que vem”, emendou.

O poder de compra dos trabalhadores será complementado pelo crescimento de 20% na oferta de crédito. Mas, segundo o diretor do BC, ao contrário de 2009, quando o avanço de 16% nos empréstimos e financiamentos foi comandado pelos bancos públicos por determinação do presidente Lula, no próximo ano, o crédito será puxado pelas instituições privadas, nacionais e estrangeiras. “O crédito dos bancos públicos aumentará 17,1% (contra 29,2% de 2009), o dos bancos privados nacionais avançará 20,4% (ante 10,6%) e o dos estrangeiros, 24,5% (frente 1,9%)”, previu. Com isso, o total de empréstimos fechará o ano que vem em 48% do Produto Interno Bruto (PIB) ante os 45,3% deste ano.

São essas projeções que dão sustentação à estimativa do BC de aumento de 6,1% no consumo das famílias em 2010, quase o dobro dos 3,8% deste ano. Já o consumo do governo crescerá 2,9% e os investimentos produtivos, 15,8%. Apesar da maior disposição do empresariado em aumentar os desembolsos destinados à ampliação das fábricas, a taxa de investimentos, fundamental para sustentar um crescimento econômico sem pressões inflacionárias, deverá fechar o ano que vem em 18,6% do PIB, ficando bem abaixo do 20% computados antes do estouro da crise mundial. (VN)


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