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A verdade sobre a nova Lei das Falências

3.000 funcionários da extinta Bloch Editores estão, no momento, às voltas com um desses cruéis adereços travestidos de "boa causa"

TRÊS MIL funcionários da extinta Bloch Editores estão, no momento, às voltas com um desses cruéis adereços travestidos de "boa causa". A editora, que publicava a "Manchete", entre dezenas de outras revistas, pediu falência em agosto de 2000. Desde então, os ex-empregados e suas famílias lutam para receber o que lhes é devido.

A morosidade da Justiça, os custos de manutenção e as despesas da massa falida de Bloch Editores S.A. corroem há quase nove anos o patrimônio deixado pela empresa. No próximo dia 12, irá a leilão o bem mais valioso da massa falida: o prédio que abrigava a sede da empresa, na rua do Russell, no Rio. Magnífica arquitetura de Oscar Niemeyer, o conjunto de edifícios está avaliado em R$ 40 milhões.

O total da dívida trabalhista é estimado em cerca de R$ 60 milhões. Os demais bens em poder da massa falida -apartamentos, terrenos, obras de arte- não cobririam a quantia reivindicada pela União. Porém, o dinheiro arrecadado com a venda do prédio daria excepcional impulso ao cronograma de pagamento das indenizações. Mas surgiram, no meio da rota, obstáculos inesperados. Um deles em forma de avião. Para os ex-empregados da extinta Bloch, um avião desgovernado e ameaçador. Em 2005, sob o pretexto de viabilizar a venda da Varig, interesses ligados ao governo operaram para acelerar a aprovação da nova Lei das Falências. Era um pacote que se discutia havia 11 anos. Mas, de repente, turbinas foram ligadas e o projeto pulou das gavetas para os painéis de votação da Câmara e do Senado.

O pretexto? Outra "boa causa". Evitar que empresas sejam fechadas, apostar na recuperação e na manutenção dos empregos. O "contrabando" embutido? Um artigo que faz com que créditos fiscais furem a fila das indenizações.

Com base nessa lei, a União obteve uma polêmica interpretação judicial, retroativa, e ameaça meter a mão em pouco mais de R$ 25 milhões (exatos R$ 25.579.227,51) do montante que resultar da venda do prédio, caso o leilão logre êxito. Os antigos proprietários descontavam, mas não recolhiam ao fisco o Imposto de Renda retido no salário dos empregados. Mantida a interpretação, os trabalhadores serão duplamente penalizados.

A Justiça chegou a efetuar alguns pagamentos aos credores trabalhistas da Bloch no valor de R$ 17.483.480,98 até que um ato judicial da Terceira Câmara Civil acatou embargo da União e acolheu o pedido de reserva dos R$ 25 milhões, suspendendo qualquer repasse aos ex-empregados com ações já homologadas. A massa falida entrou com um recurso no Superior Tribunal de Justiça, ainda não julgado.

Diz-se que a nova Lei das Falências foi "recomendada" pelo Banco Mundial ao governo brasileiro lá pelos idos dos anos 90. O objetivo seria proteger investimentos, especialmente externos. Com isso, os créditos trabalhistas perderam para os créditos financeiros sua histórica prioridade em caso de concordatas e falências. A velha Varig mal decolou, seus ex-funcionários também lutam na Justiça, mas o tal artigo da nova lei aterrissou bem na cabeça dos trabalhadores da extinta Bloch.

Quando cruzar com um deles, evite falar em boas causas. E muito menos lhe diga que o Senado está às vésperas de votar um novo Refis, o famoso programa de refinanciamento de dívidas federais para empresários que "esqueceram" suas contas na gaveta. Se aprovado, estima-se que o leão da União, aquela fera que quer abocanhar os R$ 25 milhões dos ex-empregados da Bloch, vai ficar mansinho e abrir mão de R$ 5 bilhões em 2009.

JOSÉ ESMERALDO GONÇALVES é editor da revista "Contigo" e um dos autores da coletânea "Aconteceu na Manchete - As Histórias que Ninguém Contou". Trabalhou nas revistas "Manchete", "Fatos & Fotos" e "Fatos". O jornalista deixou a empresa Bloch em 1995 e não tem processo trabalhista contra a massa falida.


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