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Recuperação da indústria avança, mas segmentada

Indústria de bens de consumo opera com produção ajustada

Cibelle Bouças

Ajustes em produção e produtividade feitos nos últimos meses para adequação ao cenário de recessão técnica no Brasil permitiram que parte das indústrias de bens de consumo iniciasse o segundo trimestre com nível de utilização da capacidade superior à média histórica e muito próximo do desempenho de setembro, antes do agravamento da crise internacional. O conjunto da indústria de transformação (17 setores) apresentou melhora no uso da capacidade instalada, mas ainda se mantém distante do nível alcançado antes da crise, revela estudo elaborado pela LCA Consultores, que comparou o nível de uso da capacidade instalada apurada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em abril com a média de 1998 a 2008.

Em abril, a indústria operou com 77,6% da capacidade instalada - 4,6 pontos percentuais abaixo da média histórica e 8,7 pontos abaixo do nível de setembro. Entre os quatro principais grupos, material de construção foi o único a registrar um uso da capacidade acima da média histórica (diferença de 0,6 ponto percentual). O grupo de bens de consumo operou 1,3 ponto abaixo da média e os grupos de intermediários e bens de capital ficaram 8,3 e 7,4 pontos abaixo da média, respectivamente.

Na divisão dos 17 setores, apenas produtos farmacêuticos e veterinários e vestuário, calçados e artefatos já operavam com capacidade acima da média histórica em abril. Na comparação com setembro, o desempenho foi muito semelhante. O setor farmacêutico ficou 0,2 ponto percentual abaixo do nível de setembro e no setor de vestuário a redução foi de 2,4 pontos. O nível de uso da capacidade da indústria química em abril ficou 0,6 ponto acima do nível de setembro, enquanto no no setor têxtil a diferença foi de 1,9 ponto.

O cruzamento de dados de ocupação de capacidade com o desempenho da produtividade (em outros estudos realizados pela LCA e pela Rosenberg & Associados) também revela que, embora a indústria geral tenha apresentado piora no primeiro trimestre em relação ao quarto trimestre de 2008, alguns setores já apresentaram melhora na produtividade e no custo unitário do trabalho, sinalizando que os ajustes feitos no fim do ano foram suficientes para que a "recessão técnica" (caracterizada por dois trimestres consecutivos de queda) ficasse circunscrita ao intervalo entre setembro e março.

"Alguns setores, por serem menos sensíveis à oferta de crédito e à confiança do empresariado, conseguiram inclusive ter ganhos de produtividade já no primeiro trimestre, ou perda bem inferior à média da indústria", afirma o economista-chefe da LCA, Bráulio Borges. Pelos cálculos da consultoria, no primeiro trimestre, os setores de alimentos e bebidas (2,8%) e de fumo (4,6%) tiveram aumento de produtividade em comparação com o primeiro trimestre de 2008, enquanto a média da indústria de transformação teve queda de 10% (no quarto trimestre a queda foi de de 6,3%). Também apresentaram resultados melhores que a média os setores têxtil (-2,8%), vestuário (-5%), papel e gráfica (-7,4%) e produtos químicos (-8,9%).

A indústria geral, porém, registrou piora em relação ao quarto trimestre, com queda de 10,2% na produtividade e aumento de 16,4% no custo unitário do trabalho - resultado influenciado pelo resultados ruins da indústria extrativa.

O custo unitário do trabalho (que mede a relação entre a produtividade e os gastos com a folha individual de pagamento), encolheu em dois setores no primeiro trimestre: queda de 2,3% em alimentos e bebidas de de 3% em fumo. No conjunto, o custo do trabalho na indústria de transformação subiu 15%, elevação superior à registrada no quarto trimestre (12,7%). Em seis entre os 17 setores, contudo, o custo do trabalho subiu menos do que a alta registrada no quarto trimestre do ano passado. O aumento menor indica que as demissões e os acordos de redução de jornada e salários feitos desde novembro ajudaram a indústria a conter esse custo. Houve desaceleração nos setores têxtil, de vestuário, coque, refino de petróleo, combustíveis nucleares e álcool, produtos químicos, minerais não metálicos e meios de transporte.

"O grupo de bens de consumo tem sido favorecido pela desaceleração lenta da renda e pela inflação cadente e deve se recuperar mais rapidamente que os outros grupos da indústria", avalia a economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thaís Marzola Zara. Ela observa que os bens de consumo não duráveis, que não dependem de crédito, começaram a registrar desempenho mais favorável que a média a partir de março. Outros segmentos de bens de consumo, como aparelhos eletroeletrônicos e equipamentos de linha branca, apresentaram queda na produtividade e no uso da capacidade instalada, mas podem apresentar recuperação ao longo deste trimestre, favorecidos por uma pequena melhora na oferta de crédito e pela desoneração de impostos.

O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Fernando Sarti, considera que a melhora no desempenho dos setores de alimentos, vestuário, têxtil, químico e de material de construção tem um "efeito retroalimentador" da economia. "Embora sejam setores que em condições normais já apresentam menor produtividade e menor uso da capacidade instalada do que o setor metalúrgico, por exemplo, eles são grandes geradores de emprego. Se fossem fortemente afetados teriam um efeito mais perverso para a economia como um todo", pondera. Ele também acredita que os segmentos de duráveis (eletrodomésticos, eletroeletrônicos e automotivo), já favorecidos pela redução de tributos, estão mais próximos de uma recuperação efetiva da produção.

Bráulio Borges, da LCA, observa que o grupo material de construção já apresentou melhora no uso da capacidade instalada, crescendo 7 pontos percentuais em abril sobre março, para 84,6%, já sob efeito da redução do IPI. O setor de material de transporte (que inclui veículos) também teve aumento da capacidade utilizada, de 1,3 ponto percentual em abril (ficando 0,6 ponto abaixo da média histórica). "Os segmentos menos sensíveis à confiança dos empresários, ao crédito e às exportações estão com ociosidade mais próxima da média histórica e têm menos necessidade de fazer novos ajustes no quadro de pessoal", avalia Borges.

O sócio da RC Consultores, Fábio Silveira, observa que a massa real de rendimentos se mantém estável porque a queda na geração de postos de trabalho formais na indústria no primeiro trimestre foi em parte anulada pela expansão em construção e serviços. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), no primeiro trimestre, o saldo de novas vagas ficou negativo em 147,4 mil postos na indústria, com geração positiva na construção (30,3 mil) e em serviços (133,1 mil).


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