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Imparidade e falsidade nos demonstrativos contábeis

O julgamento adequado sobre a situação de uma empresa

O julgamento adequado sobre a situação de uma empresa depende das informações que a mesma presta através de demonstrações contábeis, essas responsáveis por espelhar a realidade objetiva do capital.

Ocorre, entretanto, que os valores evidenciados pelas contas sofrem variações ou desajustes em razão de circunstâncias diversas internas e externas.

O conflito entre o informado e o que efetivamente existe compromete o entendimento sobre a verdade.

 

O desigual cria “imparidade” e isso ocorre com freqüência em relação ao valor das coisas no tempo, especialmente em razão da oscilação do poder de compra da moeda em relação aos bens que formam a riqueza.

Tal fenômeno que a prática apresenta foi há mais um século matéria de estudo de cientistas da Contabilidade, esses que de forma racional cuidaram de analisar e estabelecer condições lógicas para o trato com a matéria referida.

Chegaram à singela, mas, real percepção de que o instrumento de mensuração dos acontecimentos relativos ao capital através da “moeda” era deveras vulnerável e o clássico Gino Zappa atribuiu à referida uma propriedade singular, ressaltando a relatividade pertinente como instrumento de medida.

Segmentou então dois aspectos básicos: “valor nominal de conta” (o escriturado) e “valor efetivo ou de troca” (o negociado) como realidades diferentes, considerando ainda que a moeda tivesse dois aspectos a considerar – o relativo à Economia e o relativo à Contabilidade.

Na realidade o valor sendo uma atribuição depende dos efeitos de “tempo” e “espaço”, esses que sendo “variáveis” resultam em “imparidades” entre momentos de determinações quantitativas.

Há cerca de dois séculos, portanto, as discrepâncias entre valores já eram destaques na literatura contábil, como matéria inquestionável e atribuir a isso “novidade” trazida pelas IFRS é comprovar débil formação cultural em Contabilidade.

A instabilidade da expressão monetária quer em razão da própria moeda, quer das variáveis que sobre a fixação quantitativa da mesma se estabelecem em relação aos bens que mensura, gera a necessidade de retificações, para que seja alcançável a “paridade” entre o valor liquidável ou conversível em dinheiro e o escriturado.

Tal falta de identidade na expressão do “valor de conta” atribuiu-se a denominação de “imparidade”, ou seja, a diferença entre o que está registrado na escrita oficial e um valor atribuível como sendo o de liquidação ou transformação em dinheiro de um componente patrimonial.

Tal causa provoca o efeito da adaptação de um saldo inadequado a uma realidade que no tempo ocorreu e isso motiva o “ajuste para obtenção de paridade”.

Quanto mais um bem permanece no ativo e tanto mais tende a desajustar o seu valor, gerando variação de valor entre o registrado contabilmente e a realidade de liquidação.

Embora nem todo ajuste contábil seja efeito de imparidade, toda imparidade, entretanto, enseja retificação.

O referido fenômeno, por natureza, alcança a “estrutura patrimonial”, pois, esta é causa onde a “estrutura do rédito” é efeito.

Podem, portanto, ocorrer “desajustes em face da realidade objetiva” nos valores das contas de Ativo, e, também, nas contas de “Passivo”.

Merece cuidado especial, todavia, o “ajuste por imparidade” quando afeta elementos do rédito, implicando variação no lucro ou na perda, com reflexo na expressão do grupo de contas do denominado “patrimônio líquido” ou “capital próprio”.

Tal variação, quando apenas “quantitativa” não promove por si só alteração de capacidade de utilização dos bens.

Quando, todavia, o ajuste de valor defluiu de variação de qualidade ou capacidade funcional dos elementos do patrimônio outra tende a ser a consideração.

Inequívoca, pois, é a responsabilidade de expressão sobre a avaliação no tangente ao que possa ser entendido apenas como prevalência do valor expresso em moeda sobre a matéria registrada em conta.

O ajuste para os fins de “paridade” não se confunde tecnicamente em Contabilidade com simples “correção de erro”.

Em sentido lógico o erro é um engano que resultou de registro equivocado, quase sempre involuntário (caso contrário seria fraude).

A retificação de expressão monetária por “imparidade”, todavia é a “equiparação voluntária” de um saldo de conta em um presente, em razão de estar desajustado em relação a um valor passado, não sendo fruto de engano, mas, sim, de algo ocorrido que o empreendimento passivamente suportou.

As normas internacionais nada inovaram no tangente a questão em foco, mas, atribuem uma espécie de valor a que denominaram de “recuperável” quando existe maior valia para a venda de um bem que está na escrita contábil por menor valor, podendo, também, o oposto ser verificado.

Como o cotejo entre a realidade de liquidação e a do valor de conta pode resultar em expressiva retificação, ao procedimento visando a constatar sobre o ajuste atribuível foi criada a designação “teste de imparidade”.

A flexibilidade do critério normativo, todavia, abre tanto as portas ao subjetivo que mesmo não existindo sequer a intenção ou possibilidade de “liquidar” ou “baixar” o bem, ainda permite o arbítrio nas determinações de valores.

A “subjetividade” pode ensejar sérios danos, através de resultados fictícios, motivando, inclusive, segundo o noticiado, indagações específicas realizadas pela Receita Federal; assim, por exemplo, tal metodologia normativa referida facilita a “lavagem de dinheiro”, a apresentação de “ativos falsos para motivar especulações”, “sonegação de impostos”, em suma, pode ensejar a “flexibilidade arbitrária” nociva aos interesses de terceiros.

Não se trata de suposição, nem de preferir ou não as Normas, nem de esperar ou não os efeitos malignos no Brasil, mas, em tomar conhecimento e raciocinar sobre o que está o mundo está realmente a sofrer com os balanços manipulados amparados por normatizações.

Balanços falseados foram, sim, instrumentos da crise, como falsas as avaliações que segundo Ehrenberg, analista e macro investidor estadunidense, estiveram apoiadas em normas fantasiosas (assim também usou de semelhante imagem sobre o mesmo tema Krugman, premio Nobel de Economia de 2008).

O risco para a sociedade em razão da “flexibilidade” que apóia o “subjetivo” é vasto e ainda se confirma nas normas, como a IAS – 36 do IASB.

A aludida ao tratar dos ajustes em razão de “imparidade” refere-se ainda a “espaços” ou locais em que se situam os valores imateriais, lugares os quais curiosamente denomina “unidades geradoras de caixa” (denominação esdrúxula que faz crer que o objetivo das partes de um empreendimento é apenas o de gerar dinheiro, como se essa fosse a única função).

Até ai tudo parece tolerável, mas, como o alternativo é o método do não objetivo, este seguido pela norma, esta incluiu ao se referir ao critério de avaliação: “a não ser que a entidade possa demonstrar que algum outro método reflete melhor o goodwill associado à unidade operacional alienada”.

Ou ainda, volta a consagrar o “pode ser” e o “pode não ser”, lesando o preceito lógico básico da “não contradição”, ensejando a prática da arbitrariedade, essa da qual dimana grave risco.

Os denominados testes de “imparidade” possuem, pois, metodologia livre e franca, podendo resultar em ajustes que em muito influam sobre os resultados da empresa e como decorrência no valor do “patrimônio líquido”.

Os referidos testes “podem ser realizados em qualquer momento” segundo a norma mencionada, desde que assim se proceda em igual período de um ano, mas cada “unidade” “pode adotar critério específico” em um empreendimento, desde que diferentes entre si.

Em havendo, entretanto, “concentração de atividades” o procedimento deve ser efetuado antes do fim do exercício.

Sem dúvida uma forma complicada de expor fatos, com dificuldade didática, quando bastaria afirmar que ajustes visando paridade de valores devem ser realizados de acordo com critério de conveniência que se limite a expressar a realidade de liquidação do elemento patrimonial, considerado o espaço em que esse exerce a função pertinente.

Dessa forma consagraria o texto abertamente o “arbítrio”, esse que amparado por meandros de “pode ser” e “pode não ser”, “se essa” ou “se outra”, “aplica” e “não aplica”, tece um emaranhado de textos que pode favorecer o subjetivo, este que utilizado sem prudência enseja a fraude.

Sérias são as dúvidas sobre a condução das normas, segundo se infere do noticiado (Valor Econômico, reproduzido em 06 de abril na revista Contábil & Empresarial Fiscolegis), que Michel Barnier, novo comissário da União Européia, pedindo reformas, afirmou que o financiamento futuro ao Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (IASB) deverá depender de mudanças no órgão.

Tal afirmativa de Barnier coincide, plenamente, com a feita há pouco pela ministra das finanças Christine Lagarde quando afirmou que se o IASB não mudar sua conduta ela mesma tomará a iniciativa de alterar o processo na França.


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