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2009 moldará o destino do mundo

Martin Wolf Bem-vindos a 2009. Este é um ano que determinará o destino da economia mundial, talvez por gerações. Alguns observadores acalentam esperanças de que poderemos restaurar o crescimento econômico mundialmente desequilibrado em meados desta década. Eles estão errados. Nossa escolha é somente sobre o que o substituirá. É entre uma economia mundial mais bem equilibrada e desintegração. Essa escolha não pode ser adiada. Tem de ser feita neste ano. Estamos aprisionados na mais grave crise financeira mundial em sete décadas. Em conseqüência, o mundo não dispõe de agentes privados dispostos a tomar empréstimos em larga escala. A alternativa - depender de enormes déficits fiscais americanos e expansão do crédito concedido por bancos centrais - é um expediente temporário, embora necessário. Mas isso não proporcionará um retorno duradouro ao crescimento. Mudanças fundamentais são necessárias. Já deve ter ficado claro - até mesmo para obtusos e complacentes - que esta crise se iguala em gravidade às piores que já impactaram os países avançados na Era do Pós-Guerra. Em recente atualização de um estudo seminal publicado 12 meses atrás, Carmen Reinhart, da Universidade Maryland e Kenneth Rogoff, de Harvard, detalham o que isso significa. Assinalam as similaridades entre grandes crises financeiras em países avançados e emergentes e, ao combinar alguns casos graves, chegam a conclusões perturbadoras. Crises bancárias são agudas, apontam eles, e a produção declina, em média, durante dois anos. Colapsos nos mercados de ativos são profundos, com quedas nos preços reais das moradias, também em média de 35% num prazo de seis anos, e queda de 55% nos preços das ações ao longo de 3,5 anos. A taxa de desemprego cresce em média 7 pontos percentuais em quatro anos, ao passo que a produção cai 9%. Não menos importante, o valor real da dívida governamental salta, em média, 86%. Isso se deve apenas em pequena medida ao custo de recapitalização dos bancos. Deve-se bem mais ao colapso nas receitas tributárias. Até que ponto a atual crise igualará a gravidade da pior registrada no passado? A continuada disposição do mundo em financiar pelo menos os EUA - embora não necessariamente países deficitários menores e mais periféricos, como o Reino Unido - é uma razão para otimismo. Isso efetivamente permite que o governo americano articule um vasto programa de socorro fiscal e monetário. Mas, como os professores Reinhart e Rogoff apontam em outro estudo, esta é uma crise mundial, não regional. O estudo nos recorda que os EUA são ainda, para bem ou para mal, o pivô da economia mundial. Nas grandes crises em décadas recentes, a demanda americana salvou o mundo. Isso foi verdade durante os anos 90, depois da crise asiática, e novamente depois do colapso nas bolsas, em 2000. Mas quem, com exceção de seu próprio governo, socorrerá os EUA? E em que escala precisará agir? Essa questão é abordada em outro estudo seminal, o mais recente na série de autoria de Wynne Godley e dois colegas para o "Levy Economics Institute" do "Bard College". O argumento que fundamenta a análise deve, nesta altura dos acontecimentos, ser bastante familiar aos leitores desta coluna. O que torna o socorro tão difícil é a força que motivou a crise: a interação entre persistentes desequilíbrios externo e interno nos EUA e no restante do mundo. Os EUA e alguns outros países deficitários crônicos têm, atualmente, uma capacidade estruturalmente deficiente para produzir bens e serviços comerciáveis. O restante do mundo, ou, mais precisamente, um número limitado de países com grande superávit - especialmente a China -, têm o oposto. De modo que a demanda vaza sistematicamente dos países deficitários para os superavitários. Em épocas de demanda aquecida, isso não é problema. Em períodos de colapso nos gastos privados, como agora, trata-se de um problema enorme. Isso significa que os esforços de socorro americanos precisam ser suficientemente grandes não apenas para aumentar a demanda por produção americana, mas também para ampliar a demanda pelo excedente produtivo de grande parte do restante do mundo. Esse foi um ônus com que o Japão, quando afetado por sua crise, não teve de arcar. O que aconteceu com os gastos privados americanos decorre do colapso na tomada de empréstimos: entre o terceiro trimestre de 2007 e terceiro trimestre de 2008, a concessão líquida de empréstimos ao setor privado americano caiu aproximadamente o equivalente a 13% do PIB - de longe a mais aguda queda na história da série. Com a tomada de empréstimos fora do cenário, a poupança privada líquida - diferença entre receitas e despesas - provavelmente permanecerá positiva durante anos, enquanto as famílias irão pagando suas dívidas, querendo ou não. Em vista do persistente déficit estrutural em conta corrente, qual deve ser a ordem de grandeza do déficit fiscal para equilibrar a economia em algum ponto próximo do pleno emprego? Considerando, inicialmente, que o setor privado incorra em um superávit financeiro de 6% do PIB e que o déficit estrutural em conta corrente seja de 4% do PIB, o déficit fiscal precisa ser de 10% do PIB, indefinidamente. E para chegar a esse ponto, o estímulo fiscal precisa ser enorme. Uma injeção arbitrária de US$ 760 bilhões, ou 5,3% do PIB, não é suficiente. Os autores argumentam que "mesmo com a aplicação de estímulos fiscais quase inacreditavelmente grandes, a produção não crescerá o suficiente para impedir que o desemprego continue a crescer no decorrer dos próximos dois anos". Agora consideremos o que acontecerá se, após dois ou mais anos de monstruosos déficits fiscais, os EUA continuarem atolados em desemprego e crescimento lento. As pessoas começarão a perguntar por que o país está exportando tanto de sua demanda para sustentar empregos no exterior. Eles irão querer sua demanda de volta. A última vez em que esse tipo de coisa aconteceu - na década de 1930 - o desfecho foi uma rodada devastadora de desvalorizações em que cada país tenta beneficiar-se em detrimento dos outros, e protecionismo. Poderemos ficar confiantes de que conseguiremos evitar tais riscos? Ao contrário, o perigo é extremo. Depois que tiver início uma reversão da integração da economia mundial e o desemprego disparar, os demônios de nosso passado - o nacionalismo, acima de tudo - retornarão. Os avanço de décadas poderão desmoronar quase do dia para a noite. No entanto, temos uma oportunidade de ouro para nos desviarmos desse curso. Hoje, sabemos mais. Os EUA têm, em Barack Obama, um presidente com enorme capital político. Seu governo estará determinado a fazer tudo o que puder. Mas os EUA não são suficientemente fortes para socorrerem, sozinhos, a economia mundial. Os EUA necessitam colaboração, especialmente dos países superavitários. Os EUA e um punhado de outros países avançados já não têm condições de absorver os superávits mundiais de poupança e mercadorias. A crise é prova disso. O mundo mudou, e por isso devem mudar suas políticas. Isso precisa ser feito já. Martin Wolf é colunista do "Financial Times".


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