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DOU

Parecer Normativo COSIT n.º 3, de 04 de novembro de 2016

Processos Administrativos Tributários - Estipulações - Ritos.

PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DE NATUREZA TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA. RITO DA LEI Nº 9.784, DE 1999. UNIFORMIZAÇÃO DE ENTENDIMENTO. SUPLEMENTAÇÃO DE NORMAS BÁSICAS. SEGURANÇA JURÍDICA. CELERIDADE. VERDADE MATERIAL. FORMALISMO MODERADO. RECURSO HIERÁRQUICO. CABIMENTO RECURSAL E ATUAÇÃO EMINENTEMENTE VINCULADA DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA. INTERPOSIÇÃO E TAXATIVIDADE. EFEITOS. ADMISSIBILIDADE. RECONSIDERAÇÃO. MÉRITO. CIENTIFICAÇÃO. MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO. INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVAS E COMPETÊNCIA PARA DECIDIR. DEFINITIVIDADE DA DECISÃO. DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA. 

Dispositivos Legais: Constituição Federal, art. 103-A; Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, arts. 3º, 96, 100 e 194; Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, arts. 1º, 2º, 4º, 12, 13, 14, 17, 22, 26, 27, 29, 46, 50, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 64-A, 64-B, 66, 67 e 69; Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, 6º e 10; Decreto nº 83.937, de 6 de setembro de 1979, art. 6º. e-dossiê nº 10030.000084/0415-16

Relatório

Trata o presente Parecer Normativo dos recursos administrativos previstos na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Esta lei regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e se originou do Projeto de Lei (PL) nº 2.464, de 1996, formulado por Comissão de Juristas sob a coordenação do Professor Caio Tácito. Sobre os parâmetros utilizados para a elaboração da lei, bem como sobre o escopo desta, transcreve-se trecho da Exposição de Motivos nº 548, de 30 de setembro de 1996, que acompanha o dossiê do PL :

6. O trabalho desenvolvido pela Comissão de Juristas ficou muito bem explicitado pelo Professor Caio Tácito, nos seguintes termos:

‘A comissão firmou como parâmetros básicos da proposição os ditames da atual Constituição que asseguram a aplicação, nos processos administrativos, dos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como reconhecem a todos o direito de receber informações dos órgãos públicos em matéria de interesse particular ou coletivo e garantem o direito de petição e a obtenção de certidões em repartição pública (art. 5º, nºs XXXIII, XXXIV e LV). Considerou ainda a missão atribuída à defesa de interesses difusos e coletivos com a participação popular e associativa.

Teve, ainda, presente que o sistema legal resguarda, quanto a matérias específicas, a observância de regimes especiais que regulam procedimentos próprios, como o tributário, licitatório ou disciplinar, a par do âmbito de competência de órgãos de controle econômico e financeiro.

Por esse motivo, o projeto ressalvou a eficácia de leis especiais, com a aplicação subsidiária das normas gerais a serem editadas.

[...]

O projeto procura enunciar os critérios básicos a que se devem submeter os processos administrativos, em função dos indicados princípios, cuidando de definir direitos e deveres aos administrados, assim como o dever da Administração de decidir sobre as pretensões dos interessados.

O rito processual é objeto de capítulos sucessivos, em seus vários trâmites, com a previsão de recursos administrativos e da revisão dos atos decisórios, regulando-se o método de contagem de prazos.

[...]

Adotou a Comissão, como regra, o modelo de uma lei sóbria, que, atendendo à essencialidade na regulação dos pontos fundamentais do procedimento administrativo, não inviabilize a flexibilidade necessária à área criativa do poder discricionário, em medida compatível com a garantia de direitos e liberdades fundamentais.’ (grifou-se)

2. Aproveitando o sentido das palavras do coordenador da Comissão de Juristas responsável pela elaboração legislativa (tidas aqui como interpretação doutrinária e não autêntica da norma), cabe ressaltar que a Lei nº 9.784, de 1999, atende à essencialidade na regulação de pontos fundamentais do procedimento administrativo e, portanto, não pode ser compreendida como um rito fechado e inflexível, mas deve ser aplicada em cada órgão da Administração Pública Federal consoante suas especificidades institucionais inerentes e em observância ao restante do ordenamento jurídico concernente.

3. A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), no propósito de exercer a Administração Tributária Federal e Aduaneira, gere diversos processos administrativos. Dentre eles, pode-se citar três tipos distintos:

3.1. O Processo Administrativo Fiscal (PAF), entendido como gênero e englobando não só a constituição do crédito tributário, mas também o reconhecimento de direito creditório do sujeito passivo (restituição, ressarcimento, reembolso e compensação), aplicação de sanções (multas, perdimento), reconhecimento de benefícios fiscais, consulta sobre a interpretação da legislação tributária federal e aduaneira, bem como demais processos que o Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011, regulamenta;

3.2. Processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que seguem o rito da Lei nº 9.784, de 1999, por lhes faltarem rito próprio;

3.3. Demais processos comuns a qualquer órgão administrativo, como os de gestão de pessoas, disciplinares e licitatórios.

4. Especificamente em relação ao objeto deste Parecer Normativo, o rito processual da Lei nº 9.784, de 1999, previu expressamente a possibilidade de interposição de recurso administrativo nos termos do Capítulo XV (art. 56 e seguintes):

Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.

§ 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.

4.1. O recurso administrativo previsto neste dispositivo, apesar de inominado, ficou conhecido como recurso hierárquico, nomenclatura amplamente adotada pela doutrina e pela jurisprudência:

Nohara e Marrara

As normas contidas no art. 56, § 1º, dizem respeito ao recurso hierárquico voluntário. (grifou-se)

Superior Tribunal de Justiça

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA MINERAL. ATO COATOR. RECURSO HIERÁRQUICO JULGADO PREJUDICADO. ART. 54 DA LEI 9.784/99. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. [...] (MS 14.037/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 31/08/2009) (grifou-se)

5. Tão logo se passou a aplicar a Lei nº 9.784, de 1999, no âmbito da RFB, principalmente quanto ao julgamento de recursos hierárquicos, verificou-se que ela – talvez em razão de seu caráter generalista e escopo de estabelecer normas básicas aplicáveis indistintamente a todos os órgãos e entidades federais – gerava divergências interpretativas nas diversas Regiões Fiscais. Constatou-se também a existência de lacunas, termos imprecisos e um rito que demandava um estudo mais detido em consonância com a complexidade das atribuições deste órgão de Administração Tributária e Aduaneira e em vista da segurança jurídica.

5.1. O princípio da segurança jurídica encontra destaque na Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I – atuação conforme a lei e o Direito;

II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

XII – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;

XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação. (grifou-se)

5.2. Este princípio se relaciona com os demais insculpidos no caput do colacionado art. 2º – bem como com os critérios evidenciados em seu parágrafo único –, decorre da própria noção de Estado Democrático de Direito e indica a noção de certeza, estabilidade, previsibilidade, confiança e isonomia.

6. Ainda acerca de princípios, a Constituição Federal, no inciso LV do art. 5º, assegura aos litigantes e acusados em geral, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Nessa esteira, cabe asseverar também que o direito pátrio consignou a fórmula do due process of law ao preceituar, no inciso LIV do citado art. 5º, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e garantiu, na alínea 'a' do inciso XXXIV deste mesmo artigo em comento, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

6.1. O sistema jurídico erigido sobre os retrocitados postulados proporcionou o surgimento do fenômeno da processualização da atuação administrativa, que pode ser resumido como a submissão das atividades da Administração Pública à observância de formas processuais predeterminadas como requisito de validade dos atos praticados, com vistas à previsibilidade, à transparência, ao controle do poder estatal e ao aperfeiçoamento da atuação administrativa, ou seja, em resumo, à concretização dos fundamentos do Estado Democrático de Direito nos atos que emanam da Administração Pública.

6.2. Este fenômeno tem diversos reflexos, dentre os quais merece destaque para os fins a que se dirige este Parecer Normativo o aumento da complexidade dos procedimentos administrativos. Este aumento revela-se nos diversos trâmites previstos na Lei nº 9.784, de 1999, e – especialmente em sede recursal – resta evidenciado na previsão de prazos peremptórios, pressupostos de recorribilidade, bem como no regramento específico de outras formalidades relativas aos juízos de conhecimento, reconsideração e provimento.

7. Assim, em vista da segurança jurídica, considerando-se o mencionado fenômeno da processualização da atuação administrativa, bem como em razão da abrangência territorial, de competências, de processos de trabalho e da especificidade das atividades desempenhadas, verificou-se a necessidade de uniformizar a interpretação da Lei nº 9.784, de 1999, no âmbito deste órgão de Administração Tributária e Aduaneira quanto ao recurso previsto no art. 56.

7.1. Para tanto, edita-se o presente Parecer Normativo, tendo por fundamento o inciso I do art. 100 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN), o inciso III do art. 15 do Decreto nº 7.482, de 16 de maio de 2011, bem como o inciso III do art. 1º e incisos III e XXVI do art. 280 do Regimento Interno da RFB, aprovado pela Portaria MF nº 203, de 14 de maio de 2012.

8. Quanto à limitação do escopo deste Parecer Normativo, cabe destacar:

8.1. Suas análises e disposições são acerca de processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que seguem o rito da Lei nº 9.784, de 1999, por lhes faltarem rito próprio;

8.2. Não são objeto de consideração outros processos, como os comuns a qualquer órgão administrativo, que possam vir a ser abarcados pela lei em apreço, sem prejuízo da aplicação do disposto neste Parecer Normativo no que lhes couber;

8.3. Não são objeto de consideração a possibilidade de reformatio in pejus da decisão administrativa em sede recursal prevista no parágrafo único do art. 64 e a revisão de que trata o art. 65, ambos da Lei nº 9.784, de 1999;

8.4. A fim de facilitar a compreensão, salvo menção expressa em contrário, os dispositivos legais citados dizem respeito à Lei nº 9.784, de 1999; e

8.5. Para maior didática, o Parecer Normativo foi dividido nos seguintes temas:

I – Caráter geral da Lei nº 9.784, de 1999;

II – Formalismo moderado e verdade material;

III – Recurso hierárquico;

IV – Cabimento recursal e atuação eminentemente vinculada da RFB;

V – Taxatividade recursal e interposição temerária de recursos hierárquicos;

VI – Interposição;

VII – Efeitos do recurso;

VIII – Manifestação dos interessados;

IX – Juízo de conhecimento;

X – Juízo de reconsideração;

XI – Instâncias administrativas e competência para decidir o recurso hierárquico;

XII – Delegação de competência e apreciação de recurso hierárquico; e

Fundamentos

I – Caráter geral da Lei nº 9.784, de 1999

9. Dispõe a Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei. (grifou-se)

9.1. Como se extrai do art. 1º, a lei em apreço estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta. Por norma básica deve-se entender aquela que serve de fundamento, que cobre a essencialidade do que precisa ser previsto, sem esgotar o conteúdo. Nesse sentido, conjugando-se este dispositivo legal com a interpretação doutrinária firmada pelo próprio coordenador responsável pela Comissão de Juristas que o elaborou, a Lei nº 9.784, de 1999, atende à essencialidade na regulação dos pontos fundamentais (basilares) do processo administrativo e, nessa esteira, permite que cada órgão ou entidade – respeitados os direitos e garantias fundamentais, bem como os preceitos gerais da lei – concilie o rito básico às suas singularidades institucionais.

9.2. A aplicação indiferente da Lei nº 9.784, de 1999, em toda a Administração Federal direta e indireta reforça este entendimento, uma vez que foge à racionalidade legislativa atender em uma só lei todas as particularidades de todos os órgãos da administração direta e entidades da administração indireta (autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas) de modo que as demandas relativas a cada um deles sejam decididas da maneira mais segura e eficiente.

9.3. São também nesse sentido, respectivamente, as doutrinas de Carvalho Filho e Meirelles :

As normas básicas, logicamente, não são as únicas regras incidentes, mas as que devem ser aplicadas com prevalência sobre quaisquer outras. É preciso, porém, não esquecer que o fim último da administração estatal é o interesse público, de modo que, conforme o caso, pode o administrador utilizar-se de regras suplementares, nunca ofensivas das normas básicas, que se façam necessárias em razão de certas particularidades passíveis de ocorrer na variadíssima esfera administrativa.

É certo que o processo administrativo não pode ser unificado pela legislação federal para todas as entidades estatais, em respeito à autonomia de seus serviços. (grifou-se)

9.4. Também na esteira do caráter geral e básico da Lei nº 9.784, de 1999, é o disposto no art. 69. Quando da definição do rito a ser seguido pelo processo administrativo, prevalece o princípio da especialidade, segundo o qual a existência de norma especial afasta a incidência da norma geral (lex specialis derogat legi generali). Assim, os processos administrativos com ritos específicos (como o do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972) continuam sendo regidos por leis próprias, e a Lei nº 9.784, de 1999, aplica-se a estes apenas de maneira subsidiária, naquilo em que não houver contrariedade a alguma das disposições especiais.

II – Formalismo moderado e verdade material

10. Para o melhor entendimento do presente tema, necessário se faz estudo mais aprofundado sobre dois princípios que regem o processo administrativo e norteiam o presente Parecer Normativo.

10.1. Formalismo moderado:

10.1.1. Este princípio, ainda que sem esta nomenclatura expressa, encontra-se materializado em diversos pontos da Lei nº 9.784, de 1999. A título de exemplo, citam-se os critérios estabelecidos pelos incisos VI (adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público), VIII (observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados) e IX (adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados) do parágrafo único do art. 2º, de observância obrigatória nos processos administrativos. Cita-se também o art. 22 da lei em tela, que prevê que “os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir”.

10.1.2. A lógica deste princípio indica que devem ser observadas as formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados e, por simetria, à consecução do interesse público pela Administração, porém, estas formalidades não podem ser revestidas de um rigorismo que cerceie os mencionados direitos ou, mantendo-se a correspondência, que imponha entraves à realização do interesse público de maneira eficiente pela Administração.

10.1.3. É no sentido aduzido por este Parecer Normativo a jurisprudência:

Tribunal Regional Federal da 1ª Região

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO ORDINÁRIA - PENA DE SUSPENSÃO DE 30 DIAS IMPOSTA ADMINISTRATIVAMENTE PELO CFM - RECURSO ADMINISTRATIVO - CARTA DE PRÓPRIO PUNHO DA DENUNCIANTE - PRINCÍPIO DO FORMALISMO MODERADO E INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS - EVIDENTE INCONFORMISMO DA DENUNCIANTE COM A DECISÃO DO CRM - "PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF" - NULIDADE DO ACÓRDÃO ADMINISTRATIVO: INEXISTÊNCIA. 1. O processo administrativo norteia-se pelo formalismo moderado expressamente previsto no art. 22 da Lei n.º 9.784/1999. [...] (AC 0007760-78.2004.4.01.3400/DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 p.453 de 20/09/2013)

Tribunal Regional Federal da 2ª Região

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INOCORRÊNCIA. A DENÚNCIA ANÔNIMA, DESDE QUE ACOMPANHADA DE ELEMENTOS MÍNIMOS QUE INDICAM A SERIEDADE E A GRAVIDADE DA IMPUTAÇÃO, JUSTIFICAM A APURAÇÃO, COM CAUTELA E PRUDÊNCIA, DA IRREGULARIDADE APONTADA. NECESSIDADE DE REDOBRADO CUIDADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PARA EVITAR ARBITRARIEDADES NOS CASOS DE COMUNICAÇÃO APÓCRIFA DE IRREGULARIDADE. PREDOMÍNIO RELATIVO DO INTERESSE PÚBLICO NO ESCLARECIMENTO DA VERDADE. ACERVO PROBATÓRIO COM DOCUMENTOS NÃO ORIGINAIS. PRINCÍPIO DO FORMALISMO MODERADO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO NA VIA ESTREITA DO MANDAMUS. APELAÇÃO IMPROVIDA. [...] 4 - Descabe a invalidação do processo administrativo tão somente em razão da existência de provas documentais não originais, tendo em vista que o processo administrativo é regido pelo Princípio do Formalismo Moderado, conforme Lei 9784/99, segundo o qual a validade do procedimento não está adstrita às normas rígidas, mas, apenas, ao atendimento de formas estritamente necessárias à obtenção da certeza jurídica. [...] (AC 0000535-52.2008.4.02.5109, Rel. Desembargador Federal HELENA ELIAS PINTO, Data de Julgamento: 04/02/2014, QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 14/02/2014) (grifou-se)

10.2 Verdade material:

10.2.1. Sobre este princípio é a doutrina de Mello :

Consiste em que a Administração, ao invés de ficar restrita ao que as partes demonstrem no procedimento, deve buscar aquilo que é realmente a verdade, com prescindência do que os interessados hajam alegado e provado, como bem diz Héctor Jorge Escola. Nada importa, pois, que a parte aceite como verdadeiro algo que o é ou que negue a veracidade do que é, pois no procedimento administrativo, independentemente do que haja sido aportado aos autos pela parte ou pelas partes, a Administração deve sempre buscar a verdade substancial. (grifou-se)

10.2.2. Nos processos administrativos, segundo o princípio da verdade material, a Administração tem o poder-dever de, em regra, valer-se de qualquer prova lícita de que venha a ter conhecimento em qualquer fase do processo com a finalidade de revelar os fatos que realmente ocorreram e decidir – bem como reexaminar – com base no que se apurou.

10.2.3. Este princípio tem relação direta com o critério estabelecido pelo inciso XII do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784, de 1999, segundo o qual a Administração deve impulsionar, de ofício, o processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados. Reflexo deste princípio está também no art. 29 da lei em apreço:

Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. (grifou-se)

III – Recurso hierárquico

11. Recursos são instrumentos jurídicos destinados a oportunizar o reexame total ou parcial de um ato decisório objeto de irresignação (inconformismo) mediante provocação de quem é afetado. A doutrina costuma classificar os recursos administrativos em recursos hierárquicos próprios e impróprios, bem como diferencia estas duas espécies em recursos de ofício e voluntários.

11.1. Recursos hierárquicos próprios são aqueles interpostos para apreciação por autoridade superior do mesmo órgão ou entidade. Por outro lado, recursos hierárquicos impróprios são aqueles interpostos para apreciação de autoridade pertencente a entidade ou órgão estranho àquele que expediu o ato recorrido. Por não decorrer de uma relação hierárquica interna, o recurso impróprio é excepcional e só deve ser admitido caso haja expressa previsão legal. Destaque-se que o recurso hierárquico impróprio não é objeto do presente Parecer Normativo.

11.2. Recurso de ofício, embora não seja recurso em sentido estrito – uma vez que não é fruto de irresignação, mas de um reexame legalmente necessário decorrente da indisponibilidade do interesse público –, consiste em remessa obrigatória de decisão desfavorável ao Estado para instância decisória de grau mais elevado a fim de que seja confirmada. Já o recurso voluntário, como o próprio nome indica, decorre da vontade do administrado em opor objeção à decisão que o afeta.

11.3. O recurso hierárquico de que trata a Lei nº 9.784, de 1999, é próprio e voluntário, uma vez que a autoridade competente para decidi-lo integra o mesmo órgão ou entidade (administração indireta) daquela que proferiu a decisão, bem como decorre da volitiva irresignação do administrado.

12. Novamente, pela importância central dos dispositivos para o presente Parecer Normativo, colaciona-se da Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.

§ 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.

13. Da leitura dos dispositivos transcritos surgiram em algumas Regiões Fiscais dúvidas interpretativas que demandam uniformização, dentre as quais destaca-se:

13.1. Existiriam dois recursos, quais sejam, um pedido de reconsideração e um recurso hierárquico propriamente dito?

13.2. Seria interposto um recurso perante a autoridade que proferiu a decisão que, se não alterasse a sua decisão, cientificaria o recorrente e oportunizaria a interposição de outro recurso (este hierárquico) perante a autoridade superior?

14. A fim de aclarar as dúvidas, destaque-se que o recurso previsto no art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, abrangendo também o juízo de reconsideração previsto no § 1º, diz respeito a uma única peça processual a ser interposta pelo administrado.

14.1. A previsão recursal encontra-se no caput do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, inclusive com a indicação do seu cabimento (razões de legalidade e de mérito). Porém, em razão do princípio da legalidade, do princípio da eficiência, da supremacia do interesse público, da autotutela administrativa , bem como dos princípios da celeridade e da economia processual, o § 1º do mencionado art. 56 determina a interposição do recurso perante a autoridade que proferiu a decisão e concede a esta autoridade a possibilidade de reconsiderar o ato decisório objeto de irresignação caso entenda, com as razões apresentadas pelo recorrente ou mesmo pelo simples reexame dos motivos de fato e de direito que levaram à formação de sua convicção, que este ato decisório está eivado de vício que o torne ilegal, ou – por outro lado, não sendo objeto deste Parecer Normativo – é inoportuno ou inconveniente (caso seja discricionário).

14.2. Nessa mesma esteira, caso a autoridade recorrida não conclua pela reconsideração do ato decisório, a Lei nº 9.784, de 1999, determina que esta autoridade encaminhe o recurso para autoridade hierarquicamente superior a fim de que seja apreciado.

14.3. Conclui-se, portanto, que o caput e o § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, não tratam de dois recursos distintos, mas, tão somente, de um único recurso (formalizado em uma peça processual única) que oportuniza a reconsideração de uma autoridade e, em caso de negativa (não reconsideração), é encaminhado a outra autoridade hierarquicamente superior para ser apreciado.

IV – Cabimento recursal e atuação eminentemente vinculada da RFB

15. Conjugando-se os já transcritos arts. 56 e 69 da Lei nº 9.784, de 1999, conclui-se que o recurso hierárquico é cabível contra decisões administrativas, em face de razões de legalidade e de mérito, quando o processo administrativo no qual se proferiu tal decisão não seja regido por lei própria, com disposições recursais específicas.

15.1. É nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. PENA DE PERDIMENTO DE BENS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DECRETO-LEI Nº 1.455/76. DECISÃO IRRECORRÍVEL DO MINISTRO DA FAZENDA. AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA. AGRAVO IMPROVIDO. I - Esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento segundo o qual "não há, na Constituição de 1988, garantia de duplo grau de jurisdição administrativa" (RMS 22064/MS, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA, DJe 05/10/2011). II - Não se incompatibiliza com o ordenamento jurídico pátrio, que não prevê o duplo grau obrigatório na instância administrativa, a previsão contida no § 4º do art. 57 do Decreto-Lei nº 1.455/76 de decretação de pena de perdimento de bens em processo administrativo, por decisão irrecorrível do Ministro da Fazenda. III - A Lei nº 9.784/99, que dispõe que das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito, porque de caráter geral, não teve o condão de derrogar o Decreto-Lei nº 1.455/76, que regula procedimento administrativo específico relacionado à pena de perdimento de bens. IV - Prevendo o artigo 69 da Lei nº 9.784/99 que os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei, não há, pois, falar em derrogação dos preceitos do Decreto-Lei nº 1.455/76. V - Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1279053/AM, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 16/03/2012) (grifou-se)

15.2. Ainda acerca do cabimento, cabe asseverar que a revisão de ofício do lançamento de que trata o art. 149 do CTN, ainda que decorra de uma provocação do contribuinte, é procedimento unilateral da Administração e não um processo para solução de litígios. Nesse sentido, portanto, não se insere nas reclamações e recursos regulados pelo Decreto nº 70.235, de 1972, tampouco a ela se aplica a possibilidade de qualquer recurso quando da decisão que nega a revisão ou retificação de ofício, inclusive aquele previsto no art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999. Acerca deste ponto, recomenda-se a leitura do Parecer Normativo Cosit nº 8, de 3 de setembro de 2014.

16. Para o melhor entendimento do cabimento recursal, necessário se faz apreciar os requisitos de formação do ato administrativo, bem como distinguir os atos administrativos provenientes do exercício de competência vinculada daqueles oriundos do exercício de competência discricionária.

16.1. Conceituando ato administrativo, abarcando também aqueles de natureza decisória, é a síntese de Meirelles :

Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.

16.2. Os atos administrativos possuem requisitos de formação: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Sobre estes requisitos também é a lição de Meirelles :

1.2.1 Competência – Para a prática do ato administrativo a competência é a condição primeira de sua validade. Nenhum ato – discricionário ou vinculado – pode ser realizado validamente sem que o agente disponha de poder legal para praticá-lo.

Entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada. Todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática, é inválido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da Administração.

[...]

1.2.2 Finalidade – Outro requisito necessário ao ato administrativo é a finalidade, ou seja, o objetivo de interesse público a atingir. Não se compreende ato administrativo sem fim público. A finalidade é, assim, elemento vinculado de todo ato administrativo – discricionário ou regrado – porque o Direito Positivo não admite ato administrativo sem finalidade pública ou desviado de sua finalidade específica.

[...]

1.2.3 Forma – O revestimento exteriorizador do ato administrativo constitui requisito vinculado e imprescindível à sua perfeição. Enquanto a vontade dos particulares pode manifestar-se livremente, a da Administração exige procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente. Daí podermos afirmar que, se, no Direito Privado, a liberdade da forma do ato jurídico é regra, no Direito Público, é exceção. Todo ato administrativo é, em princípio, formal.

[...]

1.2.4 Motivo – O motivo ou causa é a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo. O motivo, como elemento integrante da perfeição do ato, pode vir expresso em lei como pode ser deixado ao critério do administrador. No primeiro caso será um elemento vinculado; no segundo, discricionário, quanto à sua existência e valoração.

1.2.5 Objeto – Todo ato administrativo tem por objeto a criação, modificação ou comprovação de situações jurídicas concernentes a pessoas, coisas ou atividades sujeitas à ação do Poder Público. Nesse sentido, o objeto identifica-se com o conteúdo do ato, através do qual a Administração manifesta seu poder e sua vontade, ou atesta simplesmente situações preexistentes.

16.3. Assim, ato administrativo vinculado é aquele que não deixa margem de liberdade para o administrador público valorar se deve agir ou como agir, sendo que os requisitos do ato a ser externado estão adstritos à lei (sentido amplo). No ato administrativo vinculado, uma vez verificada a satisfação dos pressupostos de direito e de fato que condicionam a sua edição, cabe ao administrador público simplesmente a sua prática, sem espaços para apreciação subjetiva.

16.4. Por outro lado, ato administrativo discricionário é aquele que permite ao administrador público decidir de uma maneira ou outra em determinada situação, segundo o que dispõe a norma, com base em critérios de conveniência e oportunidade (mérito administrativo). Porém, esta discricionariedade reside somente quanto à valoração do motivo e a escolha do objeto do ato. No caso de discricionariedade do ato, os requisitos competência, finalidade e forma continuam adstritos ao comando da norma.

17. Posto isso, impende ressaltar que é cediço que a Administração Tributária e Aduaneira consiste em atividade eminentemente vinculada, estando os atos da RFB estritamente vinculados à legislação tributária – sem espaço para discricionariedade – quase que em sua totalidade.

17.1. Acerca do alcance da expressão “legislação tributária” dispõe a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN):

Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;

II – as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;

III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;

IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

17.2. A mencionada vinculação inerente às atividades da RFB decorre do próprio conceito de tributo e – a fim de se garantir uma aplicação equânime e isonômica da legislação tributária – possui reflexos nos expedientes deste órgão ainda quando estes não envolvam diretamente a constituição e a cobrança do crédito tributário, mas digam respeito a outras competências institucionais correlatas, como aquelas relativas a cadastros, habilitações, análise de incentivos e outras. Nessa esteira, o CTN, ao dispor sobre a Administração Tributária, no Título IV do Livro Segundo, asseverou acerca do tema:

Art. 194. A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação. (grifou-se)

17.3. Assim, se cabe à RFB a aplicação da legislação tributária, e esta legislação deve regular, em caráter geral – abrangendo processos de natureza tributária que não precisam, necessariamente, estar vinculados a algum tributo –, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação, resta evidente que a atuação deste órgão de Administração Tributária e Aduaneira situa-se eminentemente no campo vinculado.

18. Em vista do exposto, conjugando-se os comandos legais transcritos e as orientações doutrinárias pertinentes ao cabimento recursal com o arrazoado acerca da atuação eminentemente vinculada da RFB, pode-se concluir que o recurso hierárquico interposto em processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que seguem o rito da Lei nº 9.784, de 1999, é cabível em face de razões de legalidade.

V – Taxatividade recursal e interposição temerária de recursos hierárquicos

19. Feitas as considerações pertinentes ao cabimento recursal, faz-se necessário analisar também a impossibilidade de interposição de outros recursos não expressamente previstos na Lei nº9.784, de 1999, bem como a interposição temerária de recursos hierárquicos com a finalidade de conturbar o andamento processual.

19.1. Em vista da crescente utilização da Lei nº 9.784, de 1999, como possibilidade de obter o reexame de decisões administrativas sem que seja necessário o ingresso no Poder Judiciário (visando economicidade e celeridade), constatou-se que alguns administrados vêm buscando a interposição de recursos não previstos nesta lei, notadamente embargos de declaração, por suposta analogia ao processo judicial.

19.2. Verificaram-se, ainda, casos em que a autoridade recorrida (a quo) não reconsidera a sua decisão (Lei nº 9.784, de 1999, art. 56, § 1º) e o administrado interpõe novo recurso hierárquico em face desta decisão de não reconsideração antes mesmo que o recurso originário seja apreciado pela autoridade hierarquicamente superior (ad quem), buscando a coexistência de duas peças de irresignação sobre o mesmo objeto.

19.3. Há também casos em que o administrado interpõe recurso hierárquico em face de procedimentos completamente despidos de carga decisória (atos meramente ordinatórios), com finalidade meramente protelatória. A esses casos – notadamente aqueles em que o administrado se vale do recurso hierárquico com intuito manifestamente protelatório ou com o fito de conturbar o andamento processual – dá-se o nome de interposição temerária de recursos hierárquicos.

20. Quanto à interposição de recursos não expressamente previstos na Lei nº 9.784, de 1999, cabe análise da regra de taxatividade recursal – segundo a qual os meios hábeis à impugnação das decisões devem ser expressos, restritos ao que está enunciado na lei.

20.1. Os embargos de declaração são recursos previstos na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, nos arts. 1.022 a 1.026. Este recurso, em síntese, objetiva: esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; ou corrigir erro material nos processos judiciais. No entanto, em que pese a existência dos embargos de declaração em sede judicial, a Lei nº 9.784, de 1999, não prevê a possibilidade de sua oposição no âmbito do processo administrativo.

20.2. Tendo em vista a mencionada falta de previsão legal para a oposição de embargos de declaração no processo administrativo, e considerando-se também o retrocitado fenômeno da processualização da atuação administrativa – que já resultou no aumento da complexidade dos procedimentos a serem obedecidos tanto pela Administração (RFB) quanto pelos administrados –, verifica-se que o rito recursal contido na Lei nº 9.784, de 1999, já é suficiente para garantir e propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, fugindo à razoabilidade e à proporcionalidade ampliar ainda mais a complexidade do rito processual administrativo, sob pena de ferir-se o princípio do formalismo moderado, conforme anteriormente exposto.

20.3. RePISe-se: deve-se observar as formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados e, por simetria, à consecução do interesse público pela Administração, porém, estas formalidades não podem ser revestidas de um rigorismo que cerceie os mencionados direitos dos administrados ou imponha entraves à consecução eficiente do interesse público pela Administração. Afastar a taxatividade recursal seria impor um grave entrave à efetividade da declaração de vontade da Administração, uma vez que o processo administrativo correria o risco de sucumbir em um círculo vicioso (entendido aqui como uma dificuldade insolúvel em que os resultados possíveis esbarram sempre no mesmo obstáculo).

20.4. Nesse sentido, de acordo a regra de taxatividade recursal, o ordenamento jurídico não pode submeter à vontade pessoal do administrado a instituição dos meios hábeis à impugnação das decisões administrativas. O rito do processo administrativo, com vistas à segurança jurídica, deve caminhar em direção à aplicação do entendimento da Administração ao caso concreto e à definitividade da decisão. No caminho a ser percorrido em direção à mencionada definitividade da decisão oportuniza-se o contraditório, a ampla defesa, a produção de provas e outros meios previstos para que o administrado expresse seu entendimento e defenda suas posições. No entanto, seria difícil, ou até mesmo impossível, a decisão administrativa alcançar a sua definitividade, e o processo se prolongaria indefinidamente, se o administrado, por iniciativa própria, pudesse criar, ao seu modo, mecanismos para impugnar as decisões administrativas.

20.5. Pelo arrazoado, conclui-se que a recorribilidade nos processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que tramitam sob o rito da Lei nº 9.784, de 1999, submete-se à regra da taxatividade, não sendo cabível a utilização de meio de impugnação que não seja expressamente previsto na mencionada lei, sob pena de aumentar-se demasiadamente a complexidade dos procedimentos em detrimento da isonomia, observado o disposto no § 2º do art. 63 desta lei.

21. Corroborando o exposto, cabe análise do art. 4º da Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 4º São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo:

I – expor os fatos conforme a verdade;

II – proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;

III – não agir de modo temerário;

IV – prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos. (grifou-se)

21.1. A temeridade, em sede processual administrativa, pode ser entendida como todo agir sem fundamento e intentado com o propósito de prejudicar o bom andamento do processo.

21.2. A Lei nº 9.784, de 1999, já oportuniza – além de fase instrutória – fase recursal com, dentre outros expedientes, o reexame da decisão objeto de irresignação pela autoridade que a proferiu e pela autoridade hierarquicamente superior (art. 56), a juntada de documentos que o recorrente julgar conveniente (art. 60), a manifestação dos interessados (art. 62), a formulação de alegações pelo recorrente quando da reforma da decisão recorrida possa decorrer gravame à sua situação (art. 64, parágrafo único) e a alegação de violação a enunciado de súmula vinculante (art. 64-A).

21.3. Levando-se em consideração também o que foi exposto acima a respeito da taxatividade recursal, conclui-se que o recurso previsto no art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, é interposto para levar a matéria à apreciação de uma instância administrativa a outra (se houver), porém, não pode ser interposto sucessivamente, de maneira indistinta e indiscriminada, em face de todo e qualquer expediente que venha a ser realizado, quanto mais quando despido de qualquer carga decisória.

21.4. Pelo exposto, conclui-se que:

21.4.1. Não cabe recurso hierárquico em face de expedientes processuais despidos de carga decisória;

21.4.2. Não cabe novo recurso hierárquico em face do juízo de reconsideração negativo que encaminha o recurso para autoridade hierarquicamente superior com fundamento no § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999.

VI – Interposição

22. Quanto à interposição do recurso hierárquico, dispõe a Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 58. Têm legitimidade para interpor recurso administrativo:

I – os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo;

II – aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida;

III – as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos;

IV – os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos.

Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.

Art. 60. O recurso interpõe-se por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes.

23. Acerca da legitimidade para interpor o recurso hierárquico, ressalte-se que, dada a singularidade das atividades desempenhadas pela RFB, deve-se ter em consideração que dessa interposição – inclusive quanto ao direito de vista do processo e obtenção de certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram – não se pode violar o sigilo fiscal.

23.1. É nesse sentido o disposto no art. 46 da Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem. (grifou-se)

23.2. Nessa esteira, a decisão oriunda de requerimento formulado por administrado pressupõe a legitimidade para recorrer daquele que apresenta originariamente o requerimento e, por outro lado, a decisão proferida de ofício da Administração pressupõe a legitimidade daquele a que esta se dirige (individualiza). Assim, apesar da redação ampla e genérica do rol contido no art. 58 da Lei nº9.784, de 1999, a legitimidade para interposição de recurso hierárquico deve ser aferida caso a caso, consoante verificação da relação de vinculação direta do interessado à decisão.

24. Continuando a análise pertinente à interposição, com a ciência da decisão (seja por intimação ou divulgação oficial), tem o administrado – legitimado nos termos do art. 58 – 10 (dez) dias para interpor o recurso hierárquico com a exposição dos fundamentos do pedido de reexame. Sobre o prazo de interposição, bem como as particularidades inerentes à intempestividade, devem ser observadas as considerações dos itens 33 a 33.12 deste Parecer Normativo.

25. Quanto ao art. 60, colacionado acima, impende destacar que este dispositivo prevê exigências formais e materiais à interposição do recurso. Sobre o tema é a lavra de Carvalho Filho :

REQUISITO FORMAL – O requisito é formal quando diz respeito ao revestimento externo de materialização do recurso.

De acordo com o art. 60 da lei, o recurso deve ser apresentado por meio de requerimento. O sentido de requerimento no texto refere-se à forma de apresentação, ou seja, o recurso deve ser formalizado por requerimento, que não deixa de ser uma petição. O termo não está a indicar o ato de requerer alguma providência, porque quando o interessado interpõe um recurso já está, obviamente, formulado o requerimento no sentido de ser reformado ou modificado o ato decisório objeto da irresignação.

Portanto, requerimento aqui significa petição de recurso.

A lei admite ainda que a petição recursal seja acompanhada de documentos que o recorrente julgar convenientes para melhor apreciação da matéria. Verifica-se que no processo administrativo não há o formalismo exacerbado do processo judicial, em que só por exceção se permite a juntada de documentos com o recurso. Na esfera judicial vigora o princípio da eventualidade, pelo qual as partes devem apresentar seus elementos de prova no próprio curso do processo.

Não é o que ocorre no processo administrativo. Como é maior o interesse na verdade real do que na verdade meramente formal, pode o recorrente juntar documentos com os quais se permita à autoridade competente melhor análise da matéria suscitada, de forma a ver atendido seu interesse.

REQUISITO MATERIAL – Requisito material é aquele concernente à substância do recurso, ou seja, à matéria que dele deva ser objeto.

Reza o mesmo art. 60 que o recorrente deverá expor os fundamentos do pedido de reexame. A Lei, ao formular tal exigência, teve o escopo de evitar que recursos sejam interpostos por mero capricho ou espírito de emulação. Fundamentos do recurso são as razões que o recorrente deve apresentar para tentar demonstrar, junto à autoridade competente, que a decisão recorrida merece reforma.

Os fundamentos do recurso, aliás, servem para análise não somente da autoridade superior à qual é dirigido o recurso, como também da própria autoridade que proferiu a decisão recorrida, uma vez que a esta é conferida, como visto, a oportunidade de efetuar juízo de retratação (art. 56, §1º).

Entretanto, vale neste passo observação pertinente. A exigência do requisito material de menção aos fundamentos não pode conduzir à interpretação, extrema, indesejável e dissonante do espírito do processo, de que sejam elas peças de valor jurídico ou técnico. Há muitos interessados que não têm grandes luzes e estão impossibilitados de contratar advogados ou outros profissionais. Nem por isso devem ser cerceados em seu direito de defesa. Assim, mesmo que os fundamentos não sejam da consistência adequada, devem ser considerados na solução do recurso, adotando-se nesse caso o que nos parece ser de perfeita conciliação entre os interesses público e privado. Somente eventual abuso de direito é que deve ser contido, e isso porque, sendo abuso, não tem respaldo legal. (grifou-se)

25.1. De modo geral, levando-se em consideração o que foi arrazoado acerca do cabimento recursal e da atuação eminentemente vinculada da RFB (itens 17 a 17.3), os fundamentos (razões) do recurso hierárquico a ser interposto em face de decisões proferidas nos processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que seguem o rito da Lei nº 9.784, de 1999, devem apontar as ilegalidades (direito) da decisão objeto de irresignação conforme a legislação tributária e não podem consistir em meras elucubrações que suscitem critérios de mérito administrativo e digam respeito puramente à subjetividade (interesse) do administrado, sob pena de desprovimento.

VII – Efeitos do recurso

26. O recurso hierárquico possui, necessariamente, efeito devolutivo. Este efeito, etimologicamente, representa a própria essência recursal, uma vez que se consubstancia na devolução da matéria questionada para que as autoridades a reexaminem e profiram uma nova decisão, que pode ratificar a anterior ou mesmo alterá-la parcial ou totalmente. Em regra, levando-se em consideração o retrocitado princípio da verdade material, a devolução da matéria no processo administrativo é integral.

27. Antes de estudar o possível efeito suspensivo dos recursos hierárquicos conforme previsto na Lei nº 9.784, de 1999, cabe aprofundar o que já fora aduzido acerca das particularidades institucionais da RFB e sua atuação eminentemente vinculada à legislação tributária.

27.1. Para tanto, recorre-se aos ensinos de Machado :

Como a atividade da Administração Tributária há de ser plenamente vinculada, utiliza-se a técnica da atividade administrativa normativa. Através de regulamentos e das denominadas normas complementares da legislação tributária, mencionadas no art. 100 do Código Tributário Nacional, opera-se a redução da vaguidade dos conceitos usados na lei, de sorte que o ato de concreção, vale dizer, o ato administrativo de execução, é praticado com o mínimo possível de discricionarismo.

Não se trata de delegação legislativa. Ao editar um regulamento, o Poder executivo não está exercendo atividade legislativa delegada, mas atividade administrativa.

[...]

A atividade da Administração Tributária é exercida, portanto, de duas formas: normativa e executiva. Sempre que a lei deixa margem a mais de um comportamento, a Administração Tributária deve atuar exercendo atividade normativa para, dessa forma, eliminar o discricionarismo no momento do exercício da atividade executiva. (grifou-se)

28. Posto isso, passa-se à análise do possível efeito suspensivo do recurso hierárquico conforme a Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 57. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.

Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso. (grifou-se)

28.1. Nos termos do caput do art. 61 da Lei nº 9.784, de 1999, o recurso administrativo, em regra, não tem efeito suspensivo. A ausência de efeito suspensivo nos recursos administrativos advém dos próprios atributos dos atos administrativos. Sobre estes atributos é a doutrina de Mello :

66. Salientem-se entre os atributos dos atos administrativos os seguintes:

a) Presunção de legitimidade – é a qualidade, que reveste tais atos, de se presumirem verdadeiros e conformes ao Direito, até prova em contrário. Isto é: milita em favor deles uma presunção juris tantum de legitimidade; salvo expressa disposição legal, dita presunção só existe até serem questionados em juízo. Esta, sim, é uma característica comum ao atos administrativos em geral; as subsequentemente referidas não se aplicam aos atos ampliativos da esfera jurídica dos administrados.

b) Imperatividade – é a qualidade pela qual os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. Decorre do que Renato Alessi chama de “poder extroverso”, que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo-as unilateralmente em obrigações.

c) Exigibilidade – é a qualidade em virtude da qual o Estado, no exercício da função administrativa, pode exigir de terceiros o cumprimento, a observância, das obrigações que impôs. Não se confunde com a simples imperatividade, pois, através dela, apenas se constitui uma dada situação, se impõe uma obrigação. A exigibilidade é o atributo do ato pelo qual se impele à obediência, ao atendimento da obrigação já imposta, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para induzir o administrado a observá-la.

d) Executoriedade – é a qualidade pela qual o Poder Público pode compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu. (grifou-se)

28.2. É também nesse sentido a lavra de Carvalho Filho :

O fundamento dessa posição [de ausência de efeito suspensivo] é o caráter de autoexecutoriedade de que são dotados os atos administrativos. Sendo autoexecutórios, os atos administrativos devem ser colocados em imediata execução, independentemente de ordem judicial. Trata-se de conduta própria da Administração. Então é de se considerar que a interposição de recurso não poderia, a princípio, ter o condão de impedir que o ato impugnado produzisse normalmente os seus efeitos. Se em relação a cada ato ou decisão fosse admitido recurso, poderia haver prejuízo para o desenvolvimento regular da atividade administrativa. (grifou-se)

28.3. Assim, levando-se em consideração que as decisões da Administração, em princípio, são presumidamente legítimas (verdadeiras e conforme o Direito), bem como podem ser exigidas e executadas sem prévia manifestação do Poder Judiciário, é perfeitamente razoável que o recurso em sede administrativa seja destituído de efeito suspensivo.

28.4. Quanto aos recursos hierárquicos interpostos em face de decisões administrativas proferidas pela RFB no âmbito de processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que seguem o rito recursal da Lei nº 9.784, de 1999, há de ser feita uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, considerando-se não só o art. 61 da lei em comento, mas também o arrazoado acerca da atuação normativa da Administração Tributária no sentido de eliminar o discricionarismo no momento do exercício da atividade executiva em decorrência de sua atividade eminentemente vinculada.

28.5. O parágrafo único do art. 61, sobretudo por estabelecer o conceito jurídico indeterminado de “justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação” como critério para que a autoridade administrativa conceda, excepcionalmente, efeito suspensivo ao recurso hierárquico, confere uma discricionariedade que não pode ser aplicada no âmbito da Administração Tributária e Aduaneira. Acerca do discricionarismo subjacente ao mencionado art. 61 é a jurisprudência do STJ:

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CEBAS – RECURSO ADMINISTRATIVO – EFEITOS – ART. 377 DO DECRETO 3.048/99 QUE VEDA A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO – ART. 61 DA LEI 9.784/99 – EFEITO SUSPENSIVO SUJEITO A JUÍZO DISCRICIONÁRIO DO ADMINISTRADOR. [...] 3. O art. 61 da Lei 9.784/99 prevê que a atribuição de efeito suspensivo a recurso administrativo situa-se na esfera discricionária da autoridade administrativa competente, não competindo ao Poder Judiciário substituir referido juízo de valor realizado nos limites da lei. 4. Segurança denegada. Prejudicada a análise do agravo regimental. (MS 13.901/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/12/2008, DJe 09/02/2009) (grifou-se)

28.6. Nesse sentido, cabe ressaltar que a RFB, no exercício da atividade administrativa normativa relativa aos processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que lhe competem (quando edita uma Instrução Normativa, por exemplo), exerce um juízo de ponderação considerando a abrangência, a premência e a repercussão das decisões consentâneas a cada processo e, tendo em vista a isonomia e a impessoalidade, dispõe em abstrato (em tese) acerca do cabimento ou não de efeito suspensivo quanto ao recurso administrativo decorrente da irresignação acerca da atividade executiva (exclusão, cancelamento, baixa, inabilitação, etc.).

28.7. Pelo todo arrazoado acerca do efeito suspensivo, bem como sobre as particularidades inerentes à RFB, conclui-se que a discricionariedade subjacente ao art. 61 da Lei nº 9.784, de 1999, não se coaduna com a atuação eminentemente vinculada deste órgão de Administração Tributária e Aduaneira e, nesse sentido, o recurso hierárquico interposto nos processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que seguem o rito da Lei nº 9.784, de 1999, terá efeito suspensivo somente quando houver expressa disposição na legislação tributária, como em Instrução Normativa.

29. Feitas as considerações a respeito dos dois principais efeitos que dizem respeito ao recurso hierárquico, cabe a análise – a título de esclarecimento e para fundamentar outros pontos do presente Parecer Normativo – de outros efeitos eventuais: obstativo, regressivo, translativo e substitutivo.

29.1. O efeito obstativo decorre da lógica em que a interposição do recurso obsta (impede) a ocorrência de preclusão. Preclusão é o ato de encerrar ou de impedir que alguma coisa se faça ou prossiga. Uma vez obstada a preclusão, impede-se também a definitividade da decisão administrativa enquanto esta é discutida administrativamente. Apesar de a decisão poder ser executada – uma vez que, em princípio, o recurso administrativo não possui efeito suspensivo – esta ainda não é definitiva na esfera administrativa.

29.2. Quanto ao efeito regressivo do recurso hierárquico, pode-se afirmar que este decorre expressamente do § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, e se consubstancia, em resumo, na possibilidade de a autoridade prolatora da decisão recorrida vir a se retratar (reconsiderar) caso conclua que as alegações do recorrente merecem acolhimento.

29.3. O efeito translativo, por sua vez, diz respeito a todas as questões passíveis de serem conhecidas de ofício, isto é, sem provocação de qualquer dos interessados. No processo administrativo tal efeito fundamenta-se, dentre outros princípios, no da verdade material e no da impulsão de ofício (Lei nº 9.784, de 1999, art. 2º, parágrafo único, inciso XII). Pode-se citar como passíveis de serem conhecidas e pronunciadas de ofício pela autoridade julgadora do recurso hierárquico, questões referentes à legitimidade das partes, à tempestividade, ao exaurimento da esfera administrativa, à competência para decidir, à prescrição, à decadência e outras de ordem pública.

29.4. Sobre o efeito substitutivo, pode-se afirmar que a nova decisão que vier a ser proferida – e na extensão em que seja proferida – põe-se no lugar da decisão anterior (recorrida), que deixa de subsistir.

29.4.1. Este efeito é inerente ao disposto no art. 64 da Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência. (grifou-se)

29.4.2. Ressalte-se que a substituição da decisão recorrida, pela dicção lógica do dispositivo, não ocorrerá quando a decisão que julgar o recurso simplesmente confirmar a decisão recorrida.

VIII – Manifestação dos interessados

30. O rito recursal preconizado pela Lei nº 9.784, de 1999, prevê duas etapas prévias ao juízo de reconsideração previsto no § 1º do art. 56, quais sejam, a manifestação dos interessados e o juízo de conhecimento:

Art. 62. Interposto o recurso, o órgão competente para dele conhecer deverá intimar os demais interessados para que, no prazo de cinco dias úteis, apresentem alegações.

Art. 63. O recurso não será conhecido quando interposto:

I – fora do prazo;

II – perante órgão incompetente;

III – por quem não seja legitimado;

IV – após exaurida a esfera administrativa.

§ 1º Na hipótese do inciso II, será indicada ao recorrente a autoridade competente, sendo-lhe devolvido o prazo para recurso.

§ 2º O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.

30.1. O art. 62 da Lei nº 9.784, de 1999, consagra o direito à ampla defesa e ao contraditório dos demais interessados na decisão. Interposto o recurso, se houver outros interessados, devem estes ser intimados para manifestarem-se (apresentar as alegações que entenderem necessárias). Quanto ao momento da intimação, o dispositivo é claro no sentido de que a intimação para a manifestação dos interessados deve ocorrer tão logo seja o recurso interposto, ou seja, antes de qualquer análise sobre a admissibilidade ou mérito do recurso, até mesmo porque a manifestação dos interessados pode influir quanto à mencionada admissibilidade (juízo de conhecimento).

30.2. Ressalte-se que o desatendimento a tal intimação não se consubstancia em reconhecimento da verdade dos fatos (tanto aqueles apresentados pelo recorrente como aqueles utilizados pela Administração na fundamentação da decisão recorrida), nem a renúncia a direito. É nesse sentido a Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.

30.3. Cabe aqui destacar que no âmbito da RFB a intimação de que trata o art. 62 da mencionada lei será determinada pela autoridade recorrida (a quo), competente para exercer o primeiro juízo de admissibilidade (conhecimento), sem prejuízo de a autoridade hierarquicamente superior (ad quem) determinar tal intimação caso não tenha sido procedida.

30.4. O prazo para a apresentação das alegações, como se depreende da própria redação do art. 62, é de 5 (cinco) dias úteis, contados a partir da ciência oficial do interessado.

30.5. As alegações apresentadas pelos interessados podem ser de duas naturezas: a) confirmadoras, quando endossem os fundamentos apresentados pelo recorrente; b) contestadoras, quando se opuserem às razões recursais e apresentarem manifestação em sentido diverso (contrarrazões).

IX – Juízo de conhecimento

31. Superado o momento para manifestação de eventuais interessados, importa dispor sobre entendimentos equivocados quanto ao juízo de conhecimento do recurso que necessitam de uniformização e esclarecimento, principalmente quanto à diferença existente entre conhecimento e provimento.

31.1. Conhecer – nos termos da Lei nº 9.784, de 1999 – é receber, admitir. O juízo de conhecimento previsto no art. 63 da lei em apreço é etapa preliminar do rito recursal e não deve ser confundido com o provimento ou desprovimento, uma vez que não há no juízo de conhecimento análise de mérito, mas tão somente apreciação quanto à satisfação dos pressupostos básicos de recorribilidade. O provimento ou desprovimento, por sua vez, é a etapa principal do rito recursal, na qual a autoridade competente pode, respectivamente, acolher (total ou parcialmente) as razões do recorrente ou rejeitá-las.

31.2. Se o recurso não for conhecido, a autoridade responsável pelo seu julgamento sequer aprecia as razões apresentadas. Sendo conhecido o recurso, a referida autoridade passa a examinar as razões levantadas e, por conseguinte, dá provimento ou nega provimento ao instrumento de irresignação da parte.

31.3. O juízo de conhecimento do recurso cabe, inicialmente, à autoridade recorrida (a quo) e, posteriormente – em caso de juízo de reconsideração negativo com remessa do recurso nos termos do § 1º do art. 56 da lei em tela –, àquela hierarquicamente superior (ad quem).

31.3.1. A concorrência da competência para exercer tal juízo decorre do supramencionado efeito translativo do recurso hierárquico, uma vez que as questões que ensejam o não conhecimento do recurso em apreço são de ordem pública e passíveis de serem conhecidas e pronunciadas a qualquer momento e em qualquer instância administrativa. Tal concorrência deriva também da lógica segundo a qual seria irrazoável, por exemplo, a autoridade recorrida (a quo) ter de despender tempo e recursos públicos para proceder ao reexame de decisão com base em recurso interposto por parte ilegítima.

31.3.2. Desta feita, caso a autoridade a quo, por algum motivo, não conheça do recurso, ela deverá cientificar o recorrente e considerar definitiva a decisão recorrida.

31.3.3. Contudo, ainda que a autoridade a quo conheça do recurso, ou nada aduza sobre o seu conhecimento, a autoridade ad quem pode não conhecê-lo. Seria irrazoável que ela não pudesse apreciar novamente a admissibilidade do recursos nos casos em que se verificasse posteriormente ao juízo de reconsideração que a verdade dos fatos acerca do conhecimento é outra (princípio da verdade material).

31.4. Em princípio, não há no rito recursal expresso pela Lei nº 9.784, de 1999, o conhecimento parcial do recurso, sobretudo em razão do supramencionado princípio da verdade material. Uma vez preenchidos os pressupostos de conhecimento elencados no art. 63 – ou seja, se o recurso é interposto dentro do prazo, perante autoridade competente, por quem seja legitimado e não esteja exaurida a esfera administrativa – cabe à autoridade recorrida (ou àquela hierarquicamente superior) simplesmente admitir o recurso e proceder ao seu julgamento (dar provimento ou negar provimento ao recurso).

31.4.1. No entanto, cabe ressalvar a hipótese de concomitância entre processo administrativo e processo judicial com o mesmo objeto.

31.4.2. Tendo em vista a prevalência da decisão judicial transitada em julgado sobre a decisão administrativa, a propositura pelo administrado de ação judicial de qualquer espécie contra a Fazenda Pública, em qualquer momento, com o mesmo objeto (mesma causa de pedir e mesmo pedido) ou objeto maior, implica renúncia às instâncias administrativas, ou desistência de eventual recurso de qualquer espécie interposto, exceto quando a adoção da via judicial tenha por escopo a correção de procedimentos adjetivos ou processuais da Administração Tributária, tais como questões sobre rito, prazo e competência.

31.4.3. Por conseguinte, quando diferentes os objetos do processo judicial e do processo administrativo, este terá prosseguimento normal no que concerne à matéria distinta.

31.4.4. Especificamente em relação aos processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que seguem o rito da Lei nº 9.784, de 1999, se o objeto do processo judicial coincide apenas parcialmente com o objeto de recurso hierárquico, haverá o conhecimento deste tão somente quanto ao que não foi submetido à apreciação do Poder Judiciário. Acerca da concomitância entre processo administrativo e processo judicial, recomenda-se a leitura do Parecer Normativo Cosit nº 7, de 22 de agosto de 2014.

32. Posto isso, passa-se à análise de cada um dos pressupostos de admissibilidade contidos no art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999: tempestividade, interposição perante autoridade competente, legitimidade para recorrer e não exaurimento da esfera administrativa.

33. Tempestividade – A primeira causa de não conhecimento do recurso decorre de sua intempestividade, ou seja, da interposição fora do prazo legal, que, conforme determina o art. 59 da Lei nº 9.784, de 1999, é de 10 (dez) dias e tem por característica ser peremptório (extintivo, definitivo). Assim, este prazo deve ser observado rigorosamente, sob pena de o recurso não ser recebido e suas razões sequer serem apreciadas.

33.1. Acerca da tempestividade cabem algumas considerações adicionais. Para tanto, colaciona-se da Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 67. Salvo motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos processuais não se suspendem. (grifou-se)

33.2. Conjugando-se o art. 67 da Lei nº 9.784, de 1999, com o pressuposto de admissibilidade do recurso contido no inciso I do art. 63 desta mesma lei, mostra-se possível o conhecimento de recurso interposto extemporaneamente em razão de força maior.

33.3. Tendo em vista que o juízo de admissibilidade diz respeito à análise de questões de ordem pública, passíveis de serem conhecidas e pronunciadas de ofício a qualquer momento, não se revela razoável exigir que as autoridades responsáveis pelo exercício de tal juízo tenham o conhecimento de todo e qualquer motivo de força maior que tenha ocorrido em todas as unidades da RFB de todas as Regiões Fiscais. Em vista disso, em sede administrativa, o ônus processual de caracterizar ou suscitar a tempestividade cabe a quem recorre e, nessa esteira, a própria redação do mencionado art. 67 exige que o motivo de força maior – a fim ensejar a suspensão do prazo previsto no caput do art. 59 e dar azo à admissibilidade do recurso extemporâneo – seja devidamente comprovado.

33.4. Nesse sentido, para que o motivo de força maior reste devidamente comprovado não basta que o recorrente faça, em sua peça recursal, mera referência à tempestividade do recurso, mas caracterize ou suscite a tempestividade como preliminar devidamente acompanhada dos motivos de fato ou de direito em que se fundamenta e, se for o caso, da respectiva documentação comprobatória. Conforme exposto no item 31.4 deste Parecer Normativo, a análise de que trata este item cabe tanto à autoridade recorrida (a quo) quanto àquela hierarquicamente superior (ad quem).

33.5. Outro aspecto da tempestividade que merece destaque é a contagem dos prazos processuais na Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.

§ 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal.

§ 2º Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo.

§ 3º Os prazos fixados em meses ou anos contam-se de data a data. Se no mês do vencimento não houver o dia equivalente àquele do início do prazo, tem-se como termo o último dia do mês.

33.6. Cientificação oficial, nos termos da Lei nº 9.784, de 1999, é a forma pela qual o administrado toma conhecimento de ato relativo ao processo ou de providência que deve tomar no respectivo lapso temporal. São formas de cientificação oficial do administrado, por exemplo, a intimação e a divulgação oficial. Cabe ressaltar que o comparecimento do administrado supre a falta ou a irregularidade de intimações nos termos do § 5º do art. 26 da lei em tela:

§ 5º As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade.

33.7. A Lei nº 9.784, de 1999, é omissa quanto ao início da contagem de prazos. Nesse sentido, cabe análise dos demais diplomas que tratam do tema para suprir tal lacuna:

Decreto nº 70.235, de 1972

Art. 5º Os prazos serão contínuos, excluindo-se na sua contagem o dia do início e incluindo-se o do vencimento.

Parágrafo único. Os prazos só se iniciam ou vencem no dia de expediente normal no órgão em que corra o processo ou deva ser praticado o ato.

Código Tributário Nacional

Art. 210. Os prazos fixados nesta Lei ou legislação tributária serão contínuos, excluindo-se na sua contagem o dia de início e incluindo-se o de vencimento.

Parágrafo único. Os prazos só se iniciam ou vencem em dia de expediente normal na repartição em que corra o processo ou deva ser praticado o ato. (Grifou-se)

Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil

Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.

§ 3º A contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação.

33.8. Em vista da uniformidade presente no arcabouço jurídico colacionado acerca das regras de contagem de prazos, conclui-se que a contagem do prazo previsto no art. 59 da Lei nº 9.784, de 1999, deverá ser iniciada em dia útil. Nesta contagem, como transcrito da lei em tela, exclui-se o dia do começo e inclui-se o do vencimento.

33.9. Cite-se o seguinte exemplo para facilitar a compreensão:

33.10. Se a cientificação oficial da decisão objeto de irresignação ocorreu no dia 14 (terça-feira), o termo inicial da contagem se dará no dia 15 (quarta-feira). Assim, já que o prazo para a interposição do recurso é de 10 (dez) dias corridos (os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo segundo o § 2º do art. 66), o seu termo final (dia do vencimento) será no dia 24 (sexta-feira).

33.11. Ainda neste exemplo, levando-se em consideração o § 1º do art. 66 da Lei nº 9.784, de 1999, se o dia 24 (sexta-feira) for feriado e não houver expediente na RFB (ou este expediente for encerrado antes da hora normal) o prazo será prorrogado até o primeiro dia útil seguinte, ou seja, dia 27 (segunda-feira).

33.12 Neste exemplo, se a cientificação oficial da decisão objeto de irresignação tivesse ocorrido no dia 23 (quinta-feira) e o dia 24 (sexta-feira) não fosse dia útil, o termo inicial da contagem dar-se-ia no dia 27 (segunda-feira).

34. Interposição perante autoridade competente – A Lei nº 9.784, de 1999, prescreve que o recurso não deve ser conhecido quando for interposto perante autoridade incompetente. Pois bem, tendo em consideração o próprio caminho recursal decorrente das relações de hierarquia, bem como a possibilidade de que a autoridade recorrida exerça um juízo de reconsideração acerca de sua decisão, verifica-se com clareza que o recurso interposto perante autoridade incompetente não pode sequer ser recebido. Para tal impropriedade a própria lei em apreço prescreve o ato de correção e o § 1º do art. 63 determina que, uma vez verificada esta hipótese de não conhecimento, deve-se indicar ao recorrente a autoridade competente e devolver a este o prazo para recorrer.

34.1. No entanto, a indicação ao recorrente da autoridade competente com a devolução do prazo recursal conforme o § 1º do art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999, é tratamento a ser conferido somente aos casos de recurso dirigido à RFB que sejam de competência de outro órgão ou entidade. Tendo em vista o critério de impulsão de ofício do processo administrativo (Lei nº 9.784, de 1999, art. 2º, parágrafo único, inciso XII), bem como a economia processual, o critério prevalente no âmbito da RFB – quando o processo seja de competência da própria RFB, mas o recurso tenha sido interposto perante autoridade incompetente – deve ser a remessa automática (ex officio, interna corporis, independentemente de diligência do recorrente) deste recurso para a autoridade competente.

34.2. São nesse sentido, respectivamente, as lições de Figueiredo e Heinen , bem como a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

[...] apesar do silêncio da lei neste sentido, nada impede que a Administração Pública o faça sponte própria, até como forma de evitar que este recurso se torne instrumento de ações protelatórias.

Apesar do silêncio da lei [...], pode a autoridade processante, que se julga incompetente, encaminhar o recurso, ex officio, a quem de direito.

PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECURSO DIRIGIDO A AUTORIDADE INCOMPETENTE. INDICAÇÃO, AO RECORRENTE, DA AUTORIDADE COMPETENTE, DEVOLVENDO-LHE O PRAZO DE RECURSO, OU ENCAMINHAMENTO, DE OFÍCIO, À AUTORIDADE COMPETENTE. PROVIDÊNCIA DETERMINADA PELA LEI. INDEFERIMENTO PELA AUTORIDADE INCOMPETENTE. NULIDADE DA DECISÃO. 1. Ao receber recurso administrativo que lhe tenha sido dirigido, a autoridade incompetente deve indicar ao recorrente a autoridade competente, restituindo-se-lhe o prazo recursal ou então, de ofício, encaminhar o recurso à autoridade competente. [...] (TRF-1 - REOMS: 18461 GO 2005.35.00.018461-5, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento: 12/09/2007, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 05/10/2007 DJ p.91) (grifou-se)

35. Legitimidade para recorrer – O art. 58 da Lei nº 9.784, de 1999, transcrito anteriormente, prevê como legitimados para a interposição de recurso administrativo: a) os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo; b) aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida; c) as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos; e d) os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos.

35.1. Interposto recurso por quem não seja legitimado para tal ato, nada mais razoável que sequer sejam apreciados os argumentos apresentados. Reitera-se aqui a advertência feita nos itens 23 a 23.2 quanto ao sigilo fiscal e à aferição da legitimidade para interposição de recurso hierárquico.

36. Não exaurimento da esfera administrativa – O exaurimento da esfera administrativa ocorre quando há a impossibilidade de prosseguir o percurso de um processo pelas instâncias administrativas em virtude de algum obstáculo legal. Nos termos do art. 57 da Lei nº 9.784, de 1999, as objeções recursais do administrado, salvo disposição legal diversa, poderão ser apreciadas, no máximo, por três instâncias administrativas. Esgotadas essas instâncias, poderá o administrado recorrer apenas ao Poder Judiciário para discutir eventuais questões de legalidade do processo administrativo. Sobre o assunto é a lavra de Carvalho Filho :

Com o percurso integral das instâncias, a Administração não tem a obrigação de renovar a discussão objeto do recurso. A razão é simples: não havendo limite para a apreciação da controvérsia, o processo acabará por nunca ser concluído. (grifou-se)

36.1. Registre-se que o tema será objeto de estudo mais aprofundado em consonância com a identificação das instâncias administrativas a serem consideradas na RFB, bem como com a competência para decidir o recurso hierárquico, conforme item 44 e subsequentes do presente Parecer Normativo.

37. Ainda sobre o juízo de admissibilidade, cumpre destacar que o § 2º do art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999, prevê expressamente que o não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa. Nesse sentido, ainda que não estejam satisfeitos os pressupostos de admissibilidade do recurso, se a Administração verificar alguma ilegalidade, poderá – com fundamento na autotutela – proceder à revisão ex officio do ato decisório em apreço.

37.1. No entanto, o § 2º do art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999, indica como fator limitativo da revisão ex officio a ocorrência da preclusão administrativa. Sobre o significado do termo “preclusão administrativa” no contexto do dispositivo é a lavra de Carvalho Filho :

A lei aponta, todavia, fato impeditivo para a revisão de ofício: ter ocorrido preclusão administrativa. Segundo entendemos, a lei quis referir-se ao que a doutrina tradicional, embora sob críticas, denomina de coisa julgada administrativa, situação jurídica que retrata preclusão administrativa de ordem interna. Como bem assinala HELY LOPES MEIRELLES, “realmente, o que ocorre nas decisões administrativas finais é, apenas, preclusão administrativa, ou a irretratabilidade perante a própria Administração.

38. Para finalizar a análise acerca do juízo de conhecimento, uma dúvida interpretativa carece de uniformização: caberia novo recurso em face do juízo de inadmissibilidade (não conhecimento) do recurso hierárquico?

38.1. Tendo em vista o já arrazoado acerca do caráter prévio à decisão do recurso inerente ao juízo de conhecimento preconizado pelo art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999, considerando-se também que a lei em tela não prevê qualquer forma de impugnação quanto a esta etapa recursal, por não se consubstanciar em uma decisão, mas em um despacho simples que verifica a inexistência de algum pressuposto básico de admissibilidade, não há que se criar novo recurso com fulcro nos princípios norteadores deste Parecer Normativo, sob pena de aumentar-se demasiadamente a complexidade dos processos administrativos e dar azo a que estes processos sucumbam em intermináveis expedientes.

38.2. Nesse sentido, não cabe recurso em face do despacho simples que não conhece de recurso hierárquico com fundamento no art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999.

X – Juízo de reconsideração

39. Presentes todos os pressupostos de admissibilidade (conhecimento) do recurso, cabe à autoridade recorrida o juízo de reconsideração de que trata o § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999. Este juízo de reconsideração decorre diretamente do supramencionado efeito regressivo do recurso, bem como visa a economicidade e a celeridade ao oportunizar que a própria autoridade que proferiu a decisão objeto de inconformismo reexamine a matéria.

40. Quanto a este momento processual, existem algumas dúvidas interpretativas que carecem de análise mais detida e uniformização:

40.1. O juízo de reconsideração de que trata o § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, é etapa necessária do trâmite recursal?

40.2. Estaria a autoridade recorrida (a quo) obrigada a fundamentar a possível decisão de não reconsideração, sob pena de ofensa ao inciso VII do parágrafo único do art. 2º e ao inciso V do art. 50, ambos da Lei nº 9.784, de 1999?

40.3. Deveria ser dada ciência ao recorrente do juízo de reconsideração ou o encaminhamento de que trata o § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, é sempre automático?

41. Quanto ao primeiro questionamento (item 40.1), impende estudo acerca da própria redação do dispositivo legal em que se fundamenta o juízo de reconsideração em apreço. O § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, é claro ao determinar – em síntese – que o recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar, o encaminhará à autoridade superior.

41.1. Nessa esteira, levando-se em consideração que é princípio basilar de hermenêutica jurídica que a lei não contém palavras inúteis, mas estas devem ser compreendidas como tendo alguma eficácia, o juízo de reconsideração exercido pela autoridade recorrida é etapa recursal necessária, até mesmo porque, como se consignará no item 48 do presente Parecer Normativo, esta análise de reconsideração encerra o trâmite do recurso em primeira instância administrativa.

42. Quanto ao segundo questionamento (item 40.2), a Lei nº 9.784, de 1999, determina à Administração Pública obediência ao princípio da motivação e observância ao critério de indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão – conforme caput e parágrafo único, inciso VII do art. 2º. Também prevê esta lei:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

V – decidam recursos administrativos;

VI – decorram de reexame de ofício;

VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. (grifou-se)

42.1. Aprofundando o estudo sobre o motivo do ato administrativo, bem como sobre a diferença existente entre motivo e motivação, é a lavra de Carvalho Filho :

Embora haja algumas controvérsias sobre o tema, grande parte da doutrina administrativista distingue motivo e motivação. O motivo revela as razões que impeliram o administrador à prática do ato, ao passo que motivação é a explicitação dessas razões no seio do próprio ato, ou seja, a menção expressa dos motivos dentro do ato. É a justificativa expressa do ato. (grifou-se)

42.2. Apesar de possíveis divergências de entendimento na doutrina acerca da mencionada diferença, é cediço que a Lei nº 9.784, de 1999, distinguiu motivo e motivação conforme apontado acima. Tal conclusão resulta da lógica de que todos atos administrativos devem ter motivo, mas a lei em comento determina a motivação (com a indicação expressa dos fatos e fundamentos jurídicos) apenas para alguns destes atos, enumerados taxativamente nos incisos do art. 50. Se a Lei nº 9.784, de 1999, exige a motivação (expressa) apenas para os atos que enumera, considera que os outros – praticados no processo – independem de menção expressa às razões administrativas que levaram à sua edição.

42.3. A título de conceituação, para o melhor entendimento deste Parecer Normativo, fatos são situações materiais verificadas no mundo fático (real, concreto) nas quais a Administração se baseia para formar sua convicção e emitir sua vontade. Já os fundamentos jurídicos são as razões de ordem jurídica em que se fundamenta a prática do ato, estando a Administração vinculada ao princípio da legalidade. Estes fundamentos, em geral, estão insculpidos no Direito Positivo em vigor e abrange as leis, regulamentos e demais disposições que norteiem a atividade administrativa. Especificamente em relação à RFB, os fundamentos jurídicos residem também em seus próprios atos normativos como Instruções Normativas, Atos Declaratórios Interpretativos, Pareceres Normativos, bem como pareceres aprovados pelo Ministro de Estado da Fazenda.

42.4. A ausência de justificativa expressa (motivação) para atos que a lei assim considera essencial e indispensável torna-os eivados de vício de legalidade. Neste caso, levando-se em consideração os requisitos de formação citados no item 16.2 deste Parecer Normativo, o vício situa-se no requisito forma e não no requisito motivo, uma vez que o administrador não seguiu o elemento formal que a lei lhe impôs, comprometendo a forma e não o motivo do ato.

42.5. Por outro lado, o § 1º do art. 50 da Lei nº 9.784, de 1999, determina que a motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

42.6. Nesse sentido, sem prejuízo da explicitude, da clareza e da congruência da decisão, a Lei nº 9.784, de 1999, admite que sua motivação se consubstancie em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas. O espírito da lei é no sentido de evitar a desnecessária repetição dos elementos de fundamentação que se encontram em ato anterior e, ao exame da autoridade, permanecem válidos e suficientes para sustentar a decisão ainda quando diante de objeções apresentadas. Nesse caso, os fundamentos do ato anterior passam a integrar os fundamentos do ato ulterior e a explicitação se dá de forma indireta. Há fundamentação, mas esta é indiretamente explicitada no ato vindouro tendo em vista o que fora arrazoado em ato anterior.

42.7. Trazendo estas lições administrativistas para o julgamento de recursos hierárquicos no âmbito da RFB, pode-se concluir que a autoridade recorrida (a quo), bem como aquela hierarquicamente superior (ad quem) nos casos de não reconsideração, precisa explicitar com clareza e congruência a motivação – com a indicação dos pressupostos de fato e de direito em que se sustenta a decisão –, mesmo que esta explicitação se dê de maneira indireta e consubstancie-se em declaração de concordância com os fundamentos de pareceres, informações, decisões ou propostas anteriores.

42.8. A título de exemplificação, de maneira prática, a autoridade recorrida (a quo) – ao exercer o seu juízo de reconsideração –, bem como a autoridade hierarquicamente superior (ad quem) – no julgamento que lhe cabe do recurso hierárquico –, pode tanto emitir decisão simplificada “mantendo a decisão recorrida, pelos fatos e fundamentos nela contidos”, quanto emitir esclarecimentos adicionais, se considerar necessário. O mencionado modelo decisório simplificado está em consonância com o exposto acima, uma vez que os fundamentos anteriormente arrazoados passam a integrar a nova decisão, satisfazendo, assim, a explicitação da motivação.

42.9. Por outro lado, ainda sobre o dever de motivação, cabe análise sobre eventual alegação de violação de súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de recurso hierárquico. O sistema de súmulas vinculantes foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que acresceu o art. 103-A à Constituição Federal .

42.10. Sobre o tema é o que dispõe a Lei nº 9.784, de 1999, com as alterações promovidas pela Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, que regulamentou o referido art. 103-A da Constituição Federal:

Art. 56 .............................................................................................

[...]

§ 3º Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.

Art. 64-A. Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.

Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal.

42.11. Como se extrai do dispositivo constitucional em apreço, uma vez editada súmula vinculante pelo STF, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, obriga-se os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta de todas as esferas a adotar em suas decisões a orientação firmada nos respectivos enunciados. Assim, se for editado ato administrativo ou exarada decisão judicial em contrariedade a súmula vinculante, caberá reclamação diretamente ao STF e, sendo esta acolhida, o efeito será a cassação da decisão judicial ou a anulação do ato administrativo.

42.12. Posto isso, ainda sobre o dever de motivação das decisões administrativas, cabe destacar que, uma vez alegada, em sede de recurso hierárquico, contrariedade a enunciado de súmula vinculante do STF, se a autoridade recorrida não reconsiderar sua decisão, deverá explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso. Pelo comando do art. 64-A da Lei nº 9.784, de 1999, tal dever também recai sobre a autoridade superior àquela recorrida.

42.13. Em consonância com a conclusão exposta no item 42.7 do presente Parecer Normativo, ressalte-se que a explicitação das razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula vinculante poderá ser direta, bem como indireta (consistindo em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas que já tenham tratado da referida aplicabilidade ou inaplicabilidade).

43. Quanto ao terceiro questionamento (item 40.3), cabe análise mais detida a respeito do possível tipo de decisão a ser proferida em juízo de reconsideração. Em resumo, a decisão oriunda do juízo de reconsideração pode: a) confirmar a decisão anterior (decisão de não reconsideração); b) acolher totalmente as alegações do recorrente (decisão de reconsideração total); c) acolher parcialmente as alegações do recorrente (decisão de reconsideração parcial); d) rejeitar as alegações do recorrente e ainda agravar a decisão anterior (reformatio in pejus).

43.1. Tendo em vista a multiplicidade de possíveis hipóteses, conforme exposto acima, impende destacar que este questionamento carece de normatividade expressa na Lei nº 9.784, de 1999, uma vez que a remessa automática prevista no § 1º do art. 56 desta lei não se coaduna com todas as hipóteses. Sendo assim, levando-se em consideração o que foi exposto a respeito do caráter geral da lei em apreço nos itens 9 a 9.4 deste Parecer Normativo, cabe à RFB adotar normatividade própria que atenda suas especificidades e garanta a segurança jurídica.

43.2. Tratando-se da primeira hipótese (decisão de não reconsideração), não há entendimento novo por parte da Administração, sendo que a RFB, neste caso, se limita a confirmar o que foi exposto anteriormente. Nesse caso, não há o que ser cientificado ao recorrente e impende a remessa automática do processo para a autoridade hierarquicamente superior nos termos do § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999.

43.3. Quanto às decisões que acolhem totalmente as alegações do recorrente (decisão de reconsideração total), é cediço que deve haver a cientificação do recorrente e não haverá remessa do processo para apreciação da autoridade hierarquicamente superior também na esteira do entendimento contido no retrocitado § 1º do art. 56, já que a reconsideração torna prejudicado o recurso .

43.4. A falta de normatividade da Lei nº 9.784, de 1999, reside quanto às decisões que acolhem apenas parcialmente as alegações do recorrente (decisão de reconsideração parcial). Nesses casos, o juízo de reconsideração tem natureza dúplice: alterador no que se refere às razões acolhidas e confirmador quanto à parte da decisão mantida inalterada.

43.4.1. O entendimento prevalecente na RFB deve arrimar-se nos critérios de adoção de formas simples e de adequação entre meios e fins, tendo também em vista os princípios de economicidade e celeridade. Nesse sentido, deve-se proceder, concomitantemente, à intimação do recorrente para tomar ciência da nova decisão – em razão de seu quinhão alterador –, e à remessa do recurso à autoridade hierarquicamente superior conforme determina o § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, para que esta aprecie a matéria, sem prejuízo de o administrado renunciar a tal recurso (item 43.6).

43.5. Também em nome da adoção de formas simples e da economia processual, nos casos de juízo de reconsideração parcial, não cabe ao recorrente nova manifestação, com apresentação de razões quanto a este juízo antes de o recurso ser julgado pela autoridade hierarquicamente superior (ad quem), até mesmo porque o quinhão alterador já acolhe parte das pretensões recursais do administrado e o quinhão mantenedor coaduna-se com o já arrazoado acerca dos atributos dos atos administrativos. Esta ressalva está também em consonância com o já arrazoado por este Parecer Normativo acerca do formalismo moderado e do risco de o processo administrativo sucumbir em um círculo vicioso se o seu andamento for conturbado por excessivos expedientes.

43.6. A medida em apreço não impede que o recorrente, ciente do juízo de reconsideração parcial, se conforme com a decisão que acolhe em parte suas razões e, expressamente, renuncie o recurso quanto à parte não retificada.

43.7. Conforme exposto anteriormente, não é objeto deste Parecer Normativo a análise dos procedimentos relativos à possibilidade da reformatio in pejus contida no parágrafo único do art. 64 da Lei nº 9.784, de 1999.

XI – Instâncias administrativas e competência para decidir o recurso hierárquico

44. Sobre a tramitação do processo administrativo pelas instâncias administrativas, bem como sobre a competência para decidir o recurso hierárquico, dispõe a Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 17. Inexistindo competência legal específica, o processo administrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir.

Art. 57. O recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa.

Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão. (grifou-se)

45. Inicialmente, para facilitar a compreensão, a expressão “autoridade” é empregada pelo presente Parecer Normativo no sentido que a Lei nº 9.784, de 1999, lhe atribui no inciso III do § 2º do art. 1º: o servidor ou agente público dotado de poder de decisão.

46. Posto isso, destaque-se que a Lei nº 9.784, de 1999, é imprecisa ao utilizar a expressão “instâncias administrativas”, sobretudo porque utiliza indistintamente os termos “autoridade” e “órgão” quando trata da competência para apreciar os recursos hierárquicos nestas instâncias.

46.1. Essa indistinção pode ser comprovada pela simples leitura conjunta de alguns dispositivos da lei em tela. O § 1º do art. 56 determina que o recurso administrativo será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior. Por sua vez, o art. 64 diz que o órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

46.2. Apontada a imprecisão, fazendo-se uma análise sistemática da norma – sobretudo tendo em vista que o inciso III do § 2º do art. 1º da mencionada lei relaciona conceitualmente o poder decisório a uma autoridade (servidor ou agente público), relação esta reforçada pelo entendimento contido no art. 17 colacionado acima, que trata também do aspecto hierárquico subjacente ao poder decisório –, o presente Parecer Normativo adota o critério de escalonamento entre autoridades para a definição e uniformização de instâncias administrativas no âmbito da RFB.

47. Adotado o mencionado critério, impende ressalvar:

47.1. Apesar da possibilidade de existir subordinação regimental entre uma unidade local e outra na RFB, esta relação de subordinação (entre segmentos internos ao órgão), em resumo, se dá em vista da racionalização das atividades, visando uma atuação mais capilarizada, sobretudo em regiões mais remotas e, nesse sentido, até mesmo para consagrar a uniformidade, não deve ser considerada para fins de identificação das instâncias administrativas de que trata a Lei nº 9.784, de 1999, e o presente Parecer Normativo;

47.2. As relações hierárquicas decorrentes da chefia de divisões, seções, serviços ou outros segmentos internos às unidades locais também não devem ser consideradas para fins de identificação das instâncias administrativas de que trata a Lei nº 9.784, de 1999, e o presente Parecer Normativo, sob pena de a apreciação de recursos hierárquicos ficar restrita a equipes locais, responsáveis também pela prolação da decisão recorrida e, nessa esteira, não tendo a imparcialidade necessária para análise do recurso do administrado.

48. Posto isso, a fim de que sejam definidas as instâncias administrativas responsáveis pelo julgamento de recursos hierárquicos neste órgão de Administração Tributária e Aduaneira recorre-se à lição de Figueiredo :

A norma estabeleceu um limite para o número de esferas administrativas legitimadas para a reapreciação da decisão administrativa recorrida. Três são as autoridades que, no máximo, poderão reapreciar a questão objeto do recurso. [...] Assim sendo, podemos entender o seguinte: a primeira autoridade a apreciar o recurso é a autora do ato impugnado, que poderá ou não reconsiderar a sua decisão. Caso mantenha o seu entendimento, encaminhará o recurso para a autoridade hierarquicamente superior a esta, que deverá decidir sobre o recurso. Este é o iter regular que deve nortear o andamento de apreciação de um recurso administrativo. Poderá, ainda este recurso ser apreciado por mais uma instância administrativa da entidade que expediu o ato recorrido, desde que ainda reste autoridade administrativa hierarquicamente superior que ainda não tenha se manifestado sobre o recurso. Esta, então, seria a terceira instância administrativa possível pela qual poderá tramitar um recurso administrativo. Aí está a regra. (grifou-se)

48.1. Registre-se que são nesse mesmo sentido os ensinos de Carvalho Filho ; Nohara e Marrara ; Fortini, Pereira e Camarão e Guimarães .

49. Nesse sentido, definidos os critérios de identificação das instâncias administrativas para fins de apreciação de recursos hierárquicos fundamentados na Lei nº 9.784, de 1999, citam-se dois exemplos práticos para facilitar a compreensão: Interposto recurso hierárquico em face de decisão proferida por Auditor-Fiscal da RFB, cabe a ele, em primeira instância administrativa, o juízo de reconsideração de que trata o § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, bem como – em caso de juízo de reconsideração negativo – o encaminhamento do recurso ao respectivo Delegado ou Inspetor-Chefe da RFB para ser apreciado em segunda instância administrativa. Caso haja a interposição de recurso em face da decisão proferida em segunda instância administrativa, o respectivo Superintendente da RFB será competente para apreciar o recurso hierárquico em terceira instância administrativa.

49.1. Neste exemplo, em razão do exposto no item 47.2 deste Parecer Normativo, a identificação da segunda instância administrativa independe de eventual chefia de divisão, seção, serviço ou outro segmento interno à unidade local que diga respeito ao mencionado Auditor-Fiscal da RFB e ao respectivo Delegado ou Inspetor-Chefe da RFB.

49.2. Ressalte-se que caso a decisão de não reconsideração proferida pelo Auditor-Fiscal da RFB, com fundamento no § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, contenha análise expressa dos pontos alegados pelo contribuinte, o respectivo Delegado ou Inspetor-Chefe da RFB pode – para fins de explicitação da motivação no julgamento que lhe cabe – declarar concordância com os fundamentos expostos na anterior decisão de não reconsideração, conforme entendimento contido no § 1º do art. 50 desta lei e já abordado nos itens 42 a 42.13 deste Parecer Normativo.

49.3. Destaque-se também que o juízo de reconsideração, em primeira instância administrativa, preconizado pelo § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999 – até mesmo em razão das inúmeras possibilidades de mudanças circunstanciais inerentes às autoridades administrativas, como os casos de remoção, licença, afastamento, aposentadoria, etc. – não precisa ser exercido, necessariamente, pelo mesmo servidor que exarou a decisão recorrida. O sentido da lei é que este juízo seja exercido por autoridade de mesmo nível hierárquico e mesma competência para decidir, por sua proximidade com as atividades relativas à matéria em tela.

50. Outro exemplo é o caso de decisão proferida por Delegado ou Inspetor-Chefe da RFB. Interposto recurso hierárquico em face de decisão proferida originariamente (que não decorra do julgamento de recurso) por Delegado ou Inspetor-Chefe da RFB, cabe a ele, em primeira instância administrativa, o juízo de reconsideração de que trata o § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, bem como – em caso de juízo de reconsideração negativo – o encaminhamento do recurso ao respectivo Superintendente da RFB para ser apreciado em segunda instância administrativa.

51. Nesse sentido, conclui-se que a identificação das instâncias administrativas nos casos concretos seguirá o critério geral de que tratam as exemplificações dos itens 49 e 50 deste Parecer Normativo, mas poderá deslocar-se em razão do exercício da competência decisória originariamente por autoridades integrantes de diferentes graus hierárquicos. Nesse ponto, cabe análise acerca do art. 57 da Lei nº 9.784, de 1999, em consonância com o grau hierárquico do Secretário da RFB.

51.1. Da leitura do art. 57 depreende-se que, salvo disposição legal diversa, o recurso administrativo tramitará por, no máximo, três instâncias administrativas. Contudo, o aludido dispositivo não estabelece de forma imperativa que o recurso tenha de, necessariamente, tramitar por três instâncias, até mesmo em razão de sua ressalva inicial. A mencionada falta de imperatividade na redação do dispositivo legal reside na ausência de garantia ao duplo grau de jurisdição em sede administrativa.

51.2. A jurisprudência do STJ é uníssona no sentido da mencionada inexistência de obrigatoriedade de duplo grau de jurisdição administrativa:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. RECURSO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO HIERÁRQUICO. 1. A Constituição Federal não erigiu garantia de duplo grau de jurisdição administrativa. 2. O recurso administrativo interposto pelo recorrente demandaria existência de previsão legal e vínculo hierárquico entre o juízo a quo e o ad quem. 3. Recurso desprovido. (RMS 12.925/PE, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 07/10/2003, DJ 10/11/2003, p. 215)

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. ESGOTAMENTO DO LAPSO ASSINALADO NO ART. 67 DO ADCT. PRAZO ASSINALADO EM FAVOR DA DEMARCAÇÃO E DOS INTERESSES DOS INDÍGENAS. INEXISTÊNCIA DE GARANTIA CONSTITUCIONAL AO DUPLO GRAU ADMINISTRATIVO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. OFENSA ÀS GARANTIAS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. [...] 2. Esta Corte, na esteira da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, assentou o entendimento segundo o qual não há, na Constituição de 1988, garantia de duplo grau de jurisdição administrativa. [...] (MS 10.269/DF, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2005, DJ 17/10/2005, p. 162)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO - LIMINAR INDEFERIDA - AGRAVO REGIMENTAL - TERRAS INDÍGENAS - DEMARCAÇÃO - PROCESSO ADMINISTRATIVO - RECURSO HIERÁRQUICO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - DECRETO 1775/96 - PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - VIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – DESPROVIMENTO. - A Constituição Federal de 1988 não garante o duplo grau de jurisdição no contencioso administrativo. - O processo administrativo de demarcação das áreas indígenas é disciplinado pelo Decreto n. 1775/96 que não prevê a interposição do recurso hierárquico mas, tão-só, a manifestação dos interessados, no prazo legal, posteriormente apreciada pelo Ministério da Justiça. - Na hipótese, a contestação do impetrante contra o laudo de identificação da área indígena apresentado pela FUNAI, sequer foi analisada pelo Ministério da Justiça, não se configurando, portanto, qualquer desrespeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório, não se configurando o direito líquido e certo, autorizador da concessão da ordem requerida. - Inexistente o ato abusivo a direito do impetrante, supostamente cometido pelo Ministro de Estado da Justiça, incabível o mandado de segurança preventivo. - Agravo regimental desprovido. (AgRg no MS 10.821/DF, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/03/2006, DJ 15/05/2006, p. 144) (grifou-se)

51.3. O art. 57 da Lei nº 9.784, de 1999, deve ser interpretado em consonância com a mencionada ausência de garantia ao duplo grau de jurisdição administrativa e, considerada a mencionada ressalva inicial contida em sua redação, com o restante do ordenamento jurídico pátrio. Na esteira do exposto, impende destacar que há disposição legal específica, que merece estudo mais detido, relativa ao grau hierárquico do Secretário da RFB consubstanciada no Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que trata da organização da Administração Federal:

Art. 6º As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais:

I – Planejamento.

II – Coordenação.

III – Descentralização.

IV – Delegação de Competência.

V – Controle.

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

§ 1º A descentralização será posta em prática em três planos principais:

a) dentro dos quadros da Administração Federal, distinguindo-se claramente o nível de direção do de execução;

[...]

§ 2° Em cada órgão da Administração Federal, os serviços que compõem a estrutura central de direção devem permanecer liberados das rotinas de execução e das tarefas de mera formalização de atos administrativos, para que possam concentrar-se nas atividades de planejamento, supervisão, coordenação e controle.

§ 3º A Administração casuística, assim entendida a decisão de casos individuais, compete, em princípio, ao nível de execução, especialmente aos serviços de natureza local, que estão em contato com os fatos e com o público.

§ 4º Compete à estrutura central de direção o estabelecimento das normas, critérios, programas e princípios, que os serviços responsáveis pela execução são obrigados a respeitar na solução dos casos individuais e no desempenho de suas atribuições. (grifou-se)

51.4. O mencionado Decreto-Lei nº 200, de 1967, recepcionado pela Constituição Federal como lei ordinária naquilo que com ela se revele compatível, é claro ao estabelecer que a estrutura central de direção de cada órgão da Administração Federal deve permanecer liberada das rotinas de execução e das tarefas de mera formalização de atos administrativos. A decisão de casos individuais, em princípio, compete ao nível de execução, respeitados os princípios, programas, critérios e normas estabelecidos pela estrutura central na solução dos casos individuais e no desempenho de suas atribuições. Nesse sentido, a estrutura da RFB obedece aos ditames do Decreto-Lei nº 200, de 1967, distinguindo-se claramente o nível de direção (Unidades Centrais e respectivas autoridades como o Secretário da RFB) do nível de execução (Unidades Descentralizadas e respectivas autoridades como os Superintendentes, Delegados e Auditores-Fiscais da RFB, conforme exemplificado anteriormente).

51.5. Para fins de apreciação de recursos hierárquicos pelas instâncias administrativas no âmbito da RFB, a estrutura hierárquica decisória explicitada nos exemplos dos itens 49 e 50 deste Parecer Normativo deve ser considerada em consonância com o exposto acima e, por decorrência lógica, a estrutura central de direção, notadamente o Secretário da RFB, deve permanecer liberada das rotinas de execução e das tarefas de mera formalização de atos administrativos, para concentrar-se nas atividades de planejamento, supervisão, coordenação e controle.

51.6. Assim, considerando-se que o art. 57 da Lei nº 9.784, de 1999, não estabelece de forma imperativa que o processo administrativo deve tramitar, necessariamente, por três instâncias administrativas, bem como a ausência de garantia ao duplo grau de jurisdição administrativa no ordenamento jurídico erigido pela Constituição Federal, e tendo em vista o exposto acima acerca da organização da Administração Federal, conclui-se que – em princípio, sem prejuízo das disposições específicas na legislação tributária – os recursos hierárquicos no âmbito da RFB devem ser decididos, em última instância, pelos Superintendentes da RFB, sendo esta decisão definitiva na esfera administrativa para efeito do que preceitua o art. 63, inciso IV da Lei nº 9.784, de 1999.

XII – Delegação de competência e apreciação de recurso hierárquico

52. Superado o momento de identificação das instâncias administrativas competentes para a apreciação de recursos hierárquicos na RFB, cabe análise acerca dos limites e efeitos de eventual delegação de competência para a prática de atos decisórios no contexto da Lei nº 9.784, de 1999.

53. Sobre o assunto em tela, as dúvidas interpretativas que se destacam nas Regiões Fiscais podem ser assim resumidas:

53.1. A autoridade competente para apreciar o recurso hierárquico pode delegar competência para que outra autoridade proceda ao juízo de admissibilidade do recurso?

53.2. Nas hipóteses de recurso hierárquico interposto em face de decisão tomada com base em competência delegada, a autoridade competente para julgar este recurso em segunda instância administrativa é aquela hierarquicamente superior à autoridade recorrida (que delegou a sua competência) ou aquela hierarquicamente superior à autoridade delegante?

54. Pertine ao tema em apreço na Lei nº 9.784, de 1999:

Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.

Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:

I – a edição de atos de caráter normativo;

II – a decisão de recursos administrativos;

III – as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.

§ 1º O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.

§ 2º O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante.

§ 3º As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.

55. Quanto ao primeiro questionamento (item 53.1), cabe análise do art. 13, inciso II, colacionado acima, uma vez que este dispositivo preceitua que não pode ser objeto de delegação a decisão de recursos administrativos.

55.1. Cabe rePISar o que foi esclarecido no item 31.1 deste Parecer Normativo: o juízo de conhecimento (admissibilidade) previsto no art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999, é etapa preliminar à decisão do recurso administrativo na qual as razões levantadas pelo recorrente sequer são apreciadas e não deve ser confundido com o provimento ou desprovimento – estes sim, ligados à decisão –, pois não há nesta etapa preliminar análise de mérito, mas tão somente apreciação quanto à satisfação dos pressupostos de recorribilidade. Assim, o juízo de mérito, consistente na decisão propriamente dita do recurso administrativo, acarretando em provimento ou desprovimento deste instrumento, é etapa principal na qual a autoridade julgadora resolve conclusivamente as questões levadas à sua apreciação, acolhendo (total ou parcialmente) ou rejeitando as razões invocadas pelo recorrente.

55.2. A vedação contida no mencionado inciso II do art. 13 da Lei nº 9.784, de 1999, busca afastar situações que atentem contra a pluralidade de instâncias – quando deve havê-la –, como a hipotética situação em que a autoridade recorrida (a quo) decidiria o recurso administrativo tanto em primeira instância administrativa (juízo de reconsideração) quanto em segunda instância administrativa, por delegação de competência da autoridade hierarquicamente superior (ad quem). No entanto, esta hipótese não se enquadra no questionamento em tela.

55.3. Para facilitar a compreensão, suscita-se um exemplo prático. Considere-se a seguinte situação: um recurso hierárquico é interposto em face de decisão de Delegado da RFB. Este Delegado, por sua vez, pode delegar, para servidor lotado naquela Delegacia, o juízo de admissibilidade de que trata o art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999. Admitido o recurso e negado o juízo de reconsideração em primeira instância administrativa pelo Delegado da RFB, o recurso é encaminhado ao Superintendente da RFB para ser decidido em segunda instância administrativa. O mencionado Superintendente da RFB, por sua vez, também pode delegar o mencionado juízo de admissibilidade, como, por exemplo, ao chefe da Divisão de Tributação – Disit. É razoável que o chefe da Disit possa reconhecer, de plano, a intempestividade, a ilegitimidade do recorrente ou o exaurimento da esfera administrativa em vista da eficiência administrativa e da economia processual. Nesse sentido, eventual juízo de admissibilidade exercido pelo servidor da delegacia ou pelo chefe da Disit, por delegação de competência, não atenta contra o escopo do dispositivo legal em apreço, uma vez que o recurso não merece ao menos ser apreciado pela autoridade competente para julgá-lo (Delegado ou Superintendente da RFB) por ausência dos pressupostos básicos de recorribilidade.

55.4. Pelo arrazoado, conclui-se que a autoridade competente para julgar o recurso hierárquico pode delegar competência para que outro servidor proceda ao juízo de admissibilidade (conhecimento) de que trata o art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999, uma vez que se trata de etapa preliminar à decisão do recurso administrativo.

56. A respeito do segundo questionamento (item 53.2), cabe análise de algumas peculiaridades inerentes ao instituto da delegação de competência.

56.1. O art. 11 do já mencionado Decreto-Lei nº 200, de 1967, assevera que a delegação de competência será utilizada como instrumento de descentralização administrativa, com o objetivo de assegurar maior rapidez e objetividade às decisões.

56.2. Outro aspecto importante do instituto é o fato de que quem delega sua competência o faz para autoridade que o sabe, em especial, diligente, com conhecimento acerca do tema e, sobretudo, com entendimentos alinhados e uniformes à autoridade delegante. Ou seja, quem delega sua competência, assim procede para que, com maior rapidez e objetividade, as decisões sejam tomadas no sentido que seriam se agisse pessoalmente.

56.3. Ressalte-se também que o ato de delegação não retira a atribuição da autoridade delegante, que continua competente cumulativamente com a autoridade delegada para o exercício da função. Passa-se somente a execução, ficando sempre a titularidade com a autoridade delegante, até mesmo porque na dicção do § 2º do art. 14 da Lei nº 9.784, de 1999, o ato de delegação é revogável a qualquer tempo por esta autoridade.

56.4. Postas as peculiaridades acima, impende aduzir que o instituto da delegação de competência não tem o condão de criar novas instâncias administrativas, sob pena de – conjugando-se esta hipotética criação com o disposto no já exaustivamente estudado art. 57 da lei em tela – a discussão da matéria jamais chegar à apreciação de autoridades de maior grau hierárquico como os Superintendentes da RFB. Tendo em vista também o arrazoado acerca da relação de confiança e da provável uniformidade de entendimentos entre a autoridade delegante e a delegada, mostra-se indesejável à própria essência recursal que a discussão da matéria limite-se a percorrer uma só equipe. Considerando-se a uniformidade, seria irrazoável também, por exemplo, que um recorrente pudesse levar a apreciação da matéria a um Superintendente da RFB, e outro, em razão de eventuais delegações de competência pontuais, ou até mesmo subdelegações , em determinada unidade deste órgão de Administração Tributária e Aduaneira, só conseguisse levar a apreciação da matéria a um Delegado da RFB.

56.5. Com efeito, a fim de consagrar-se a uniformidade, para a definição das instâncias administrativas responsáveis pela apreciação dos recursos hierárquicos interpostos em face de decisões tomadas por delegação de competência na RFB deve-se considerar as competências decisórias originárias das autoridades e os critérios identificados nos itens 46.2, 47.1 e 47.2 deste Parecer Normativo, afastando-se da aferição eventual delegação destas competências.

56.6. Nesse sentido, nas hipóteses de recurso hierárquico interposto em face de decisão tomada com base em competência delegada, a autoridade competente para julgar este recurso em segunda instância administrativa é aquela hierarquicamente superior à autoridade delegante.

56.7. Exemplifica-se para facilitar a compreensão. Considere-se a seguinte situação: um Delegado da RFB (autoridade delegante) delega competência originária sua para o chefe de uma seção de sua unidade, que decide com fundamento na mencionada delegação, e há a interposição de recurso hierárquico em face da decisão em tela. Nesse caso, cabe ao chefe da seção – em primeira instância administrativa – o juízo de reconsideração de que trata o § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, e, em caso de juízo negativo, para que seja preservada a uniformidade, o recurso deve ser encaminhado ao respectivo Superintendente da RFB para que seja apreciado em segunda instância administrativa, sem tramitar perante o mencionado Delegado da RFB. Do mesmo modo, caso haja delegação do Delegado da RFB para um chefe de agência, também cabe diretamente ao chefe de agência a reconsideração em primeira instância administrativa, ficando a cargo do Superintendente da RFB a apreciação do recurso em segunda instância administrativa.

Conclusão

57. Pelo todo arrazoado, conclui-se que:

57.1. O recurso hierárquico voluntário próprio de que trata o art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, abrangendo também o juízo de reconsideração previsto no § 1º, diz respeito a uma única peça processual que oportuniza a reconsideração de uma autoridade e, em caso de não reconsideração, é encaminhada a outra autoridade hierarquicamente superior para ser apreciada;

57.2. O recurso hierárquico interposto em processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que seguem o rito da Lei nº 9.784, de 1999, é cabível em face de razões de legalidade;

57.3. A recorribilidade nos processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que tramitam sob o rito da Lei nº 9.784, de 1999, submete-se à regra da taxatividade, não sendo cabível a utilização de meio de impugnação que não esteja expressamente previsto nesta lei, observado o disposto no § 2º do art. 63 desta lei;

57.4. Não cabe recurso hierárquico em face de expedientes processuais despidos de carga decisória;

57.5. Não cabe novo recurso hierárquico em face do juízo de reconsideração negativo que mantém a decisão recorrida e encaminha o recurso para autoridade hierarquicamente superior (ad quem) com fundamento no § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999;

57.6. Não cabe recurso hierárquico em face da decisão proferida em revisão de ofício nos termos do art. 149 do Código Tributário Nacional.

57.7. Os fundamentos (razões) do recurso hierárquico a ser interposto em face de decisões proferidas nos processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que seguem o rito da Lei nº 9.784, de 1999, devem apontar as ilegalidades (direito) da decisão objeto de irresignação conforme a legislação tributária e não podem consistir em meras elucubrações que suscitem critérios de mérito administrativo e digam respeito puramente à subjetividade (interesse) do administrado, sob pena de desprovimento;

57.8. O recurso hierárquico interposto nos processos administrativos de natureza tributária e aduaneira que seguem o rito da Lei nº 9.784, de 1999, terá efeito suspensivo somente quando houver expressa disposição na legislação tributária;

57.9. O juízo de admissibilidade previsto no art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999, é etapa preliminar do rito recursal e diz respeito tão somente à verificação dos pressupostos básicos de recorribilidade, motivo pelo qual deve ser consubstanciado em despacho simples;

57.10. Não cabe recurso em face do despacho simples que não conhece de recurso hierárquico com fundamento no art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999;

57.11. A autoridade competente para julgar o recurso hierárquico pode delegar competência para que outro servidor proceda ao juízo de admissibilidade de que trata o art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999;

57.12. O juízo de admissibilidade do recurso hierárquico cabe, inicialmente, à autoridade recorrida (a quo) e, posteriormente – em caso de juízo de reconsideração negativo com remessa do recurso nos termos do § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999 –, àquela hierarquicamente superior (ad quem): caso a autoridade a quo não conheça do recurso, ela deverá cientificar o recorrente e considerar definitiva a decisão recorrida; ainda que a autoridade a quo conheça do recurso, a autoridade ad quem pode não conhecê-lo;

57.13. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade previstos no art. 63 da Lei nº 9.784, de 1999, cabe à autoridade competente tão somente conhecer (admitir, receber) o recurso e proceder ao seu julgamento;

57.14. No âmbito da RFB, a intimação de que trata o art. 62 da Lei nº 9.784, de 1999, será determinada pela autoridade recorrida (a quo) – competente para exercer o primeiro juízo de admissibilidade do recurso –, sem prejuízo de a autoridade hierarquicamente superior (ad quem) determinar tal intimação caso não tenha sido procedida;

57.15. O ônus processual de caracterizar ou suscitar a tempestividade cabe a quem recorre;

57.16. Para que o motivo de força maior de que trata o art. 67 da Lei nº 9.784, de 1999, reste devidamente comprovado, a fim de ensejar a suspensão do prazo previsto no caput do art. 59 e dar azo à admissibilidade de recurso extemporâneo, não basta que o recorrente faça mera referência à tempestividade em sua peça recursal, devendo este caracterizar ou suscitar a tempestividade como preliminar devidamente acompanhada dos motivos de fato e de direito em que se fundamenta e, se for o caso, da respectiva documentação comprobatória;

57.17. Quando o processo administrativo seja de competência da própria RFB, mas o recurso hierárquico tenha sido interposto perante autoridade incompetente, proceder-se-á à remessa automática (ex officio) deste recurso para a autoridade competente;

57.18. A autoridade recorrida (a quo) – no juízo de reconsideração que lhe cabe –, bem como aquela hierarquicamente superior (ad quem) – no julgamento que lhe cabe –, precisa explicitar com clareza e congruência a motivação de sua decisão, com a indicação dos pressupostos de fato e de direito em que esta se sustenta;

57.19. A explicitação da motivação pode se dar de maneira indireta e consubstanciar-se em declaração de concordância com os fundamentos de pareceres, informações, decisões ou propostas anteriores;

57.20. Alegada contrariedade a enunciado de súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal em sede de recurso hierárquico, deve a autoridade recorrida (a quo) – no juízo negativo de reconsideração, antes de encaminhar o recurso –, bem como a autoridade hierarquicamente superior (ad quem) – quanto à decisão que lhe cabe –, explicitar as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso;

57.21. O juízo de reconsideração de que trata o § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, é etapa necessária do trâmite recursal;

57.22. Proceder-se-á à remessa automática do recurso para a autoridade hierarquicamente superior (ad quem), nos termos do § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, sem cientificação ou manifestação do recorrente, nos casos de juízo de reconsideração que mantém a decisão recorrida;

57.23. Proceder-se-á à cientificação do recorrente, sem remessa do recurso à autoridade hierarquicamente superior (ad quem), nos casos de juízo de reconsideração que acolhe totalmente as alegações do recorrente;

57.24. Proceder-se-á, concomitantemente, à cientificação do recorrente e, nos termos do § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, à remessa do recurso à autoridade hierarquicamente superior (ad quem) para julgamento, nos casos de juízo de reconsideração que acolhe apenas parcialmente as alegações do recorrente;

57.25. Não cabe ao recorrente nova manifestação, com a apresentação de razões, quanto ao juízo de reconsideração que acolhe apenas parcialmente suas alegações antes de o recurso ser julgado pela autoridade hierarquicamente superior (ad quem);

57.26. É facultado ao recorrente, ciente do juízo de reconsideração que acolhe parcialmente suas alegações, expressamente desistir do direito de recorrer;

57.27. A identificação de instâncias administrativas no âmbito da RFB para fins de apreciação dos recursos hierárquicos fundamentados na Lei nº 9.784, de 1999, deve observar o critério de escalonamento entre autoridades, desconsiderando-se eventual relação de subordinação regimental entre unidades locais, bem como as relações hierárquicas decorrentes da chefia de divisões, seções, serviços ou outros segmentos internos às unidades locais;

57.28. A autoridade competente para julgar em segunda instância administrativa recurso hierárquico interposto em face de decisão tomada com base em competência delegada é aquela hierarquicamente superior à autoridade delegante;

57.29. Sem prejuízo das disposições específicas na legislação tributária, os recursos hierárquicos no âmbito da RFB devem ser decididos, em última instância, pelos Superintendentes da RFB.

LEONARDO DE PAULA LIEBSCHER 

Auditor-Fiscal Da Receita Federal Do Brasil 

EDUARDO GABRIEL DE GÓES VIEIRA FERREIRA FOGAÇA 

Chefe Da Divisão De Normas Gerais Do Direito Tributário – Dinog 

MIRZA MENDES REIS 

Coordenadora Da Copen 

FERNANDO MOMBELLI 

Subsecretário De Tributação E Contencioso Substituto 

JORGE ANTONIO DEHER RACHID 

Secretário Da Receita Federal Do Brasil